sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Etnologia Indígena - Vídeos em Homenagem a Roberto Cardoso de Oliveira

ASSISTA AOS VÍDEOS










30º Encontro Anual da ANPOCS 2006


SE 03 - "Homenagem a Roberto Cardoso de Oliveira"

Gabriel Cohn, USP

Maria Stella Amorim, UFRJ
http://video.google.com/videoplay?docid=-2486566461279745495

Roque de Barros Laraia, UNB
http://video.google.com/videoplay?docid=3011950260997195652

Luís Roberto Cardoso de Oliveira, UNB
http://video.google.com/videoplay?docid=-8845214223739016566

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Antropologia Urbana - Utopia Urbana, Edificio Master e outras coisas





Rio de Janeiro, 14 de maio de 2003

Entrevista com Gilberto Velho

Revista Habitus: Quando e como começou o seu interesse pela Antropologia?
Gilberto Velho: Começou pelo menos desde o curso secundário. Eu estudei no Colégio Aplicação da antiga Nacional de Filosofia e lá tinha, na área de história e de geografia, sobretudo na área de história, professores com formação ampla, que tinham interesse em Ciências Sociais como um todo – sociologia, antropologia e ciência política. Existia uma cadeira chamada “Estudos Sociais”, onde fizemos o curso clássico, que havia a possibilidade de ter acesso a temas e textos dessas áreas. Inclusive eu tive uma professora de história que tinha sido assistente de antropologia na antiga Nacional de Filosofia. Por outro lado, foi por causa do meu pai que era uma pessoa que tinha interesses amplos, que tinha em casa livros importantes, desde Gilberto Freyre a Arthur Ramos e outros de história, sociologia... Então, tem a ver com a formação de um capital cultural em casa e no colégio.

Revista Habitus: E a formação de seu pai era na área de ciências humanas?Gilberto Velho: Meu pai era militar, mas era um intelectual que traduziu mais de cem livros...Do Eric Fromm, livros de ciências sociais, psicologia, psicanálise, sociologia...Era professor, dentro do exército, de psicologia militar. Tinha vários interesses, além de ser pára-quedista (risos). Era um personagem Renascentista.

Revista Habitus: Fale como foi o processo de produção de sua dissertação de mestrado (“A Utopia Urbana”: 1970).
Gilberto Velho: Eu estava muito preocupado já, desde a graduação, com a questão das camadas médias. Era um tema que me interessava desde o segundo ano do curso de ciências sociais... Eu trabalhava no Instituto de Ciências Sociais que é uma instituição que não existe mais, foi fundida com o curso de ciências sociais, filosofia e história dando margem ao surgimento do IFCS. O IFCS é o produto da fusão entre os cursos de ciências sociais, história e filosofia, da antiga Nacional de Filosofia, com o Instituto de Ciências Sociais, que é um instituto de pesquisas da Universidade do Brasil. Então, com isso, houve a possibilidade, dentro do Instituto de Ciências Sociais, de trabalhar em pesquisas que tinham alguma coisa a ver com os estudos de camadas médias, burocracias, de elites... Eu trabalhei com o Maurício Nunes de Queiroz, com a Estela Farias, que até hoje dá aula no Instituto, fazendo uma pesquisa sobre burocracias... E quando entrei para o Programa de Pós-Graduação do Museu Nacional, no segundo semestre de 1969, eu já vinha com uma problemática que era o estudo de camadas médias. Eu morava em Copacabana com meus pais, num prédio de classe média superior, digamos assim. Mas quando me casei, em 1968, – nós éramos estudantes de graduação, dependendo de bolsas irregulares – nós fomos para um apartamento que minha família tinha. Era um apartamento pra renda, num desses prédios grandes de Copacabana, de conjugado, sala e quarto. Esse era um conjugado grande. E aí então, decidi que era isso que eu precisava, que era isso que eu queria. Eu tinha condições de trabalho, estava morando num lugar e foi a maneira de eu viabilizar um estudo de caso num prédio, com uma população de cerca de 500 pessoas. Ao mesmo tempo em que continuava fazendo trabalho de observação em Copacabana. Eu já dava aula, no IFCS, e algumas alunas minhas aplicaram questionários em outros prédios. Enfim, foi uma pesquisa que se desenvolveu a partir do fato de eu estar morando em um prédio de conjugados em Copacabana. Era um estudo sobre o que significava Copacabana, por que as pessoas valorizavam Copacabana, por que estavam morando ali.

Revista Habitus: Mas antes de entrar no mestrado o senhor já vinha trabalhando sobre esta idéia?
Gilberto Velho: Antes de entrar no mestrado eu me preocupava com camadas médias. Evidentemente, quando eu fui morar nesse prédio, ficou patente que eu tinha diante de mim uma possibilidade excepcional de formular uma pesquisa. No mestrado eu encontrei apoio de professores que achavam o projeto interessante. Eu fui aluno no primeiro semestre de mestrado de um antropólogo americano que já morreu, o Anthony Leeds, que era uma pessoa que trabalhava com antropologia urbana, embora ele trabalhasse mais com camadas populares, com favelas, etc. Ele estava muito interessado com a questão da habitação e eu estava lidando com um tipo de habitação que era o conjugado num prédio de apartamento em Copacabana. Então ele ficou interessado, me estimulou, eu fiz um primeiro trabalho que era um trabalho de curso, sobre um prédio que não era onde eu estava morando. Era um prédio famoso, o Barata Ribeiro 200. Hoje em dia mudou de número para descaracterizar o estigma. Aí então, a partir deste trabalho, eu comecei a sistematizar os meus dados, minhas informações, e produzi a dissertação de mestrado “A Utopia Urbana”. Meu orientador foi um outro americano, um jovem americano recém-doutor, morava em Copacabana, ficava entusiasmado com as possibilidades de meu trabalho. E assim foi. O trabalho foi defendido em 1970. Em seguida fui para os Estados Unidos, fiz uma espécie de bolsa-sanduíche, que naquela época não tinha este nome, e lá continuei, trabalhando com meu material e juntando os meus interesses com os cursos que estava fazendo nos Estados Unidos. Explorando algumas coisas que eu já tinha começado a ver na pesquisa de Copacabana, que era a problemática do desvio, a estigmatização do desvio.

Revista Habitus: O senhor assistiu ao filme “Edifício Master”? O que o senhor achou dele?Gilberto Velho: Eu tenho certeza que leram o meu livro. Eu tenho informações indiretas que leram. Não reclamo de não terem citado porque não se faz isso em produções cinematográficas. Mas eu sei que pessoas que trabalharam no filme leram o livro.
Revista Habitus: Mas que aspectos o senhor pode destacar?Gilberto Velho: A própria preocupação com a história de vida, com entrevistas, com observação... A própria idéia de ver um prédio como objeto relevante. Eu acho o filme interessante, acho que foi uma contribuição. Mas é claro, como cientista social, eu acho que carece de estabelecer algumas conexões, com o aprofundamento de alguns temas... Mas, enfim, é um documentário feito por pessoas que não são e nem querem ser cientistas sociais. Acho que é um filme interessante.
Revista Habitus: Fale como foi o processo de produção de sua tese de doutorado (“Nobres e Anjos – Um Estudo de Tóxicos e Hierarquia”: 1975).
Gilberto Velho: Eu tinha voltado dos Estados Unidos, onde eu tinha estudado bastante a problemática da bibliografia do Becker, do Goffman, eu tinha tido acesso à bibliografia internacional sobre o desvio, sobre o uso de drogas, sobre o controle social... E continuava com o meu projeto de estudos de camadas médias, só que agora eu queria estudar um outro tipo de camada média. E aí eu achei. Eu acho que você tem que olhar em volta, perceber a sua situação e procurar se valer dela para realizar estudos e investigações. Então, eu achei que era importante, naquele momento, e estava começando a vê-lo de modo mais disseminado em certos meios, especialmente em vanguarda artística-intelectual, o uso de drogas. Vivíamos num regime militar, era uma questão política também. Então eu procurei fazer este estudo sobre setores de camadas médias superiores, até na fronteira com as elites. Ali a fronteira era muito tênue e em alguns casos era a própria elite que eu estava estudando. Fui desenvolver a pesquisa tendo como foco o que eu chamei de “aristocracia de status médios” e que, a partir do uso de tóxicos, eu estava interessado em estudar a visão de mundo e estilo de vida, “modo de estar” da sociedade brasileira nestes seguimentos. A sua vida, suas preferências, suas escolhas, suas opções, suas aspirações, seus projetos e suas relações com outros setores da sociedade... Sua visão da política, foi uma das coisas que eu privilegiei em “Nobres e Anjos”... A sociabilidade real...
Revista Habitus: A antropologia preza muito pelo distanciamento do pensador em relação ao objeto.
Gilberto Velho: Não é verdade. Há muito tempo que a antropologia tem uma visão muito mais sofisticada. Esta é uma visão tradicional: o distanciamento...
Revista Habitus: O senhor já tinha rompido com isso na década de 70, pois parece que o senhor se considera classe média e a tem como objeto de pesquisa.Gilberto Velho: Essa coisa da distância há bastante tempo que se discute. É claro que eu tive um papel modestamente pioneiro. Mas você pode ver a lista de trabalhos, teses e dissertações feitas hoje em dia, e nos últimos vinte anos em antropologia, e você tem várias pessoas que estão pesquisando fenômenos próximos, processos sociais, situações com as quais eles têm alguma ligação. Quem vai fazer antropologia da sua própria sociedade fatalmente vai rever esta noção de distância. O que não quer dizer que não seja um problema, mas é diferente de outros problemas quando você está estudando grupos indígenas, sociedades camponesas... Cada objeto gera seus problemas particulares. Sempre há uma objetividade relativa. Quando o antropólogo está estudando grupos indígenas também tem problemas, obviamente, de “objetividade”, porque têm sentimentos envolvidos, desejos, resistências... Eu não estou menosprezando a especificidade do trabalho antropológico no seu próprio meio. Eu não estou dizendo que não existem problemas. Eu estou dizendo que esses problemas estão sendo enfrentados já há bastante tempo. Eu já publiquei muitas coisas sobre isso. Tem uma coletânea sobre antropologia urbana, tem uma coletânea sobre mediação... Agora vai sair um novo livro, no final de junho, sobre pesquisas urbanas. Uma coletânea de textos meus e produzidos por colaboradores. Estamos lidando com objetos mais ou menos próximos, dentro das cidades. Um dos temas desse livro é, justamente, o tema da proximidade, o desafio da proximidade. Se não me engano é o título do meu artigo: “O Desafio da Proximidade”.
Revista Habitus: Fale da influência de seus orientadores, Shelton Davis e Ruth Cardoso no processo de produção de sua dissertação e de sua tese, respectivamente.
Gilberto Velho: O Shelton Davis foi um interlocutor precioso, mas eu tinha muita autonomia e independência. Era um diálogo produtivo. Eu acho que é uma das melhores maneiras nessa relação orientador-orientando. A mesma coisa com a professora Ruth. Eu tive o privilégio de ter orientadores de alto nível, pessoas respeitosas, etc. Pessoas que valorizaram muito as minhas idéias, que podiam ser um pouco iconoclastas para outras pessoas, para outros grupos. A Ruth Cardoso, entusiasmadíssima desde o início com o meu projeto de trabalhar com drogas. Ela inclusive depois se tornou uma pessoa conhecida no país todo por defender a descriminalização do uso de drogas. E certamente, na época, nos anos 70, a gente já conversava sobre isso. No mínimo a descriminalização. Mas isso era apenas um dos aspectos. Era a partir daí que nós estudávamos as camadas médias superiores. E praticamente não havia nada. Não só em antropologia, mas havia muito pouco em ciências sociais. E no Brasil, muito pouco mesmo. Então, o trabalho sobre drogas tinha o caráter totalmente pioneiro. A partir daí, muitas pessoas, muitos alunos meus, passaram a fazer estudos sobre camadas médias em diferentes situações, em diferentes contextos. Nem sempre definidos por “estudos de camadas médias”. Outros estudavam um centro espírita que é freqüentado por camadas médias, por exemplo. Então, eu acho que era um pouco a questão de ampliar, de abrir, arejar. A antropologia brasileira é muito respeitável, tem trabalhos importantes em várias áreas e, de pelo menos trinta anos para cá, tem um papel também em termos internacionais bastante ousado e pioneiro, em termos desses estudos sobre a sua própria sociedade, porque a antropologia mais convencional, mais tradicional, muitas vezes não entende isso. Existem antropólogos que acham que antropologia é estudar grupos tribais na África ou na Ásia, ou grupos indígenas. Isso, em alguns lugares, ainda é assim. No Brasil, certamente nós mudamos muito. Certamente também, em centros internacionais, trabalhos interessantes foram feitos, mas curiosamente, boa parte deles, depois. Não estou dizendo que nós inspiramos diretamente, mas é uma questão de ritmo. Eu acho que aqui a gente tem uma condição muito privilegiada de receber várias influências, de poder fazer várias sínteses, não só em termos disciplinares (lidar com a antropologia, a história, a sociologia, a ciência política), como com tradições (a tradição americana, a tradição anglo-saxã, a tradição francesa). Eu acho que isso deu, efetivamente, a possibilidade para a antropologia no Brasil ser vanguarda e avançar muito em relação à antropologia internacional.
Revista Habitus: Quais foram os autores que mais lhe influenciaram na produção de sua tese e de sua dissertação? E por quê?
Gilberto Velho: São momentos diferentes. Na dissertação de mestrado eu estava muito autônomo, eu era muito jovem, e tinha acesso a alguma bibliografia no Brasil, mas não tanto assim. O Goffman foi um autor importantes desde o início. Raymond Firth foi outro autor importante. Já na tese de doutorado eu usei bem mais o Howard Becker. Alguns autores como o Clyde Mitchell, outros autores da escola sociológica francesa, da antropologia social britânica, do interacionismo... Simmel foi se tornando cada vez mais importante. E foram importantes porque faziam perguntas que me interessavam, porque estavam preocupados com dimensões da vida social que faziam todo o sentido para mim...e porque estavam lidando com o cotidiano, estavam lidando com sociabilidade, estavam lidando com interação... O Marcel Mauss foi outro autor importante por outras razões. A literatura sobre desvio foi muito importante, especialmente o Howard Becker, que se tornou um grande amigo meu, com o qual mantive durante décadas um trabalho em conjunto.
Revista Habitus: O Becker chegou a lhe convidar para dar aula fora do Brasil, não foi?
Gilberto Velho: Eu fui professor visitante duas vezes em North-Western e depois na universidade de Seattle... Ele veio para cá também. Veio aqui três vezes. Nós tivemos um intercâmbio intenso. Agora ele já está mais velho e não tem mais muita disposição para sair dos Estados Unidos. Mas mantemos intercâmbio de outros modos. Eu envio estudantes meus para trabalharem lá com ele, com bolsas-sanduíche...
Revista Habitus: Até que ponto o senhor ainda mantém as diretrizes e as idéias desenvolvidas em sua dissertação e em sua tese, passados mais de 30 anos da primeira e mais ou menos 28 com relação à segunda?
Gilberto Velho: O mundo flui. É claro, eu tenho preocupações básicas que permanecem. Eu sou fascinado por determinadas questões e determinados temas. Eu acho que tem uma certa constância inclusive. Mas procuro ver as coisas sob outros ângulos: novas maneiras de ver e desdobramentos com objetos de pesquisa diferenciados. Uma das áreas de interesse que eu desenvolvi mais nos últimos quinze anos são as relações entre níveis de cultura: as relações entre elite e camadas populares; entre camadas médias e elite; camadas médias e camadas populares; a questão da mediação, justamente essa passagem, essa possibilidade de transitar entre vários grupos e domínios; essa preocupação com o trânsito de vários domínios da vida social, sejam esferas (trabalho, religião, família, amor), seja de grupos sociais específicos. Se você por acaso tem algum tipo de ligação com alguma atividade, seja o interesse por música popular, e ao mesmo tempo ter relações com o mundo universitário... Esse trânsito entre domínios, esse trânsito entre grupos sociais... eu acho que é uma das coisas mais interessantes para se estudar na antropologia das sociedades complexas. Inclusive, essas sociedades são complexas por causa disso, porque elas são multi-diferenciadas, elas são heterogêneas, elas apresentam uma diversidade muito grande, todas as pessoas de algum modo têm multi-pertencimentos, não estão dentro só de um grupo, não vivem dentro de um só domínio, umas mais outras menos, mas transitam entre domínios e grupos sociais. Então este fenômeno do trânsito que existe em toda a sociedade, em princípio pode existir, mas que na sociedade complexa, particularmente na grande cidade, na metrópole, aparece como um fenômeno prioritário, importante de ser estudado.
Revista Habitus: Qual a especificidade que o senhor vê na antropologia em relação às outras ciências sociais?
Gilberto Velho: A tradição de trabalho. Evidentemente, existe uma forte tradição de trabalho, ligada ao estudo de sociedades de pequena escala, de pequenos grupos, sociedades tradicionais, que tem uma bibliografia própria, voltada para certos assuntos, como família e parentesco, religião, cosmologia. Mas é uma questão de tradição de trabalho. Isso não estabelece uma fronteira, uma muralha. Têm departamentos de sociologia que fazem trabalhos semelhantes aos que os antropólogos fazem. Eu sempre dou o exemplo da própria Escola de Chicago, que de 1892 à 1929, era um departamento de antropologia e sociologia, juntos. E a sociologia de Chicago desenvolveu-se o tempo todo preocupada com métodos qualitativos, com trabalho de campo... Então isso vai depender muito de linhas, de orientações, de autores. A antropologia tem uma tradição bibliográfica e uma tradição de pesquisa – trabalho de campo, observação participante, de métodos qualitativos. Mas não são coisas exclusivas da antropologia, outras áreas de ciências sociais usam estes métodos. Talvez, não necessariamente com o mesmo peso, com a mesma intensidade, mas você encontra em outras áreas.
Revista Habitus: Desde os anos 70 o senhor vem estudando o fenômeno da violência e a sua ligação com o tráfico de drogas, inclusive, teve um livro publicado, o “Mudança, crise e violência”, que continha artigos especialmente dedicados a este assunto. Como o senhor vê a questão da segurança em nosso estado e o papel do poder público nessa questão?
Gilberto Velho: Eu acho que nós estamos em uma crise inimaginável e há a tentativa, de vez em quando, de diminuir a importância da crise, de diluí-la. E não há como: é uma falência do poder público, é uma crise muito grave que transforma o cotidiano da sociedade em um cotidiano arriscado, prejudicando a sociabilidade. Risco de vida, risco de as pessoas serem feridas. Há um prejuízo para o trabalho, há um prejuízo para a vida social, há um prejuízo pra segurança existencial. Muitas pessoas querem sair, sair do Rio, sair do Brasil e isso é terrível. Isso afeta a todos nós, em todos os níveis. Afeta o equilíbrio emocional das pessoas. Prejudica os projetos de produção em qualquer nível de trabalho. É gravíssimo! A sociedade de fato está em crise. O Rio é um dos casos limites, talvez seja o mais evidente hoje, mas é um fenômeno no país todo, na medida em que é uma criminalidade que funciona através de rede, nacional e internacionalmente. Agora, o Rio particularmente tem sofrido muito pela falência do poder público, pela incompetência, pela corrupção... Então, se nós não conseguirmos promover uma mudança rápida, eu não sei aonde a gente vai parar, porque a gente está chegando a uma situação quase que desesperadora. Eu acho que há uma desagregação da vida social.
Revista Habitus: E com relação ao poder público?
Gilberto Velho: O poder está em um processo de desmoralização, uma falência do poder público, que perdeu a credibilidade. A polícia é objeto de denúncias de todos os tipos. Não há uma política social consistente, nem no nível do estado, nem no nível da prefeitura. O governo federal teve algumas iniciativas, mas existe todo um jogo político complicado. Então não se sabe até que ponto o governo federal poderá ir em termos de sua presença no Rio de Janeiro. Eu acho que o governo federal tinha que ter uma posição forte em relação ao Rio de Janeiro. Acho também que o nome intervenção é um nome que desagrada e tem implicações jurídico-legais complexas, mas tem que haver uma presença do governo federal muito forte. Este governo estadual culmina com uma série de governos estaduais, num processo que vem de muito tempo, e nós chegamos a um ponto que certamente o governo estadual demonstra cotidianamente que não tem condições, não tem capacidade de lidar com a onda de violência.
Revista Habitus: Nesse mesmo livro, o “Mudança, crise e violência”, a gente percebe de maneira evidente um projeto de vincular a atividade acadêmica a uma atuação intelectual crítica para além dos limites da universidade. Esse projeto continua presente como um dos eixos centrais de sua obra?
Gilberto Velho: Sem dúvida. Eu escrevo com freqüência aos jornais. Há um mês atrás escrevi um artigo sobre a questão do patrimônio nacional. Comecei a questão falando do Iraque, a destruição do museu do Iraque. É um artigo em que eu falo, a partir da destruição do patrimônio cultural do Iraque, da importância do patrimônio cultural para todas as nações e falo sobre o que está acontecendo aqui, no Brasil. Há um abandono, um descaso, uma pilhagem, uma destruição do nosso patrimônio... Tinha havido um incêndio recentemente em Ouro Preto...Estava falando da situação deste prédio aqui, desse Museu Nacional, que é a principal instituição científica da história do Brasil. O prédio está desabando, o Museu não tem recursos para coisas essenciais. Quer dizer, é um patrimônio que também está sendo destruído, desboroado, perdido... Dou exemplo também do Instituto Nacional do Folclore, que é uma instituição importantíssima, e que o Ministério da Cultura não está conseguindo encontrar uma solução adequada para sua inserção na reforma deste ministério. O Instituto Nacional do Folclore foi particularmente massacrado no governo Collor e tem também uma produção de pesquisa importante. Então eu discuto nesse artigo a questão da importância do patrimônio para a humanidade e para as nações, mostrando que se no Iraque nós tivemos esta tragédia, por outro lado, aqui no Brasil, nós estamos vivendo sem ser numa guerra declarada, uma perda diária importantíssima de nosso patrimônio. E as identidades nacionais, inclusive no mundo globalizado, dependem muito da valorização desses patrimônios. Portanto, sim, eu participo, escrevo em jornais, dou entrevistas. Evidentemente, têm fases em que eu faço isso mais do que em outras. Às vezes tem um assunto que mobiliza mais...Eu falo sobre isso na introdução ao livro que você estava mencionando. Mas eu não escrevo regularmente, não tenho uma coluna. Mas têm períodos em que eu escrevo muito mais. Na época do Collor eu escrevi freneticamente, porque realmente...
Revista Habitus: Aliás tem uma parte dedicada a isto no livro.
Gilberto Velho: É. Porque realmente era uma catástrofe dentro do país. Então têm períodos. Mas eu não vejo nenhum antagonismo entre a minha vida acadêmica e a minha atuação intelectual pública. Só que eu jogo com isso dependendo das circunstâncias, dos interesses.
Revista Habitus: Numa entrevista ao Jornal da Unicamp em abril deste ano, o professor Octavio Ianni expressou uma opinião em relação aos rumos da ciência no mundo, que segundo ele é dominada por uma visão sistêmica. Ele afirmou ser um péssimo sinal que o exercício do pensamento crítico esteja sendo considerado como irreverente ou desnecessário. Qual é a sua opinião em relação aos rumos da ciência?
Gilberto Velho: Eu acho que o pensamento crítico, de fato, em certas áreas, tem sido muito desconsiderado e visto como algo pernicioso. Mas eu acho que isso faz parte da própria natureza do pensamento crítico: ser vítima desse tipo de observação, de julgamento, de tentativa de bloqueio. Eu acho que o pensamento crítico de algum modo se manifesta e continuará se manifestando. Agora, sem dúvida, vivemos um período em que se encontram dificuldades especiais. Existem distribuições de poder na sociedade que podem tornar mais difícil você veicular uma reflexão crítica. Mas ela não acaba, ela não está desaparecida. Eu acho que há uma preocupação... Essa vigilância crítica, essa participação crítica é essencial para o trabalho intelectual. Ou seja, eu não acho que a maioria dos intelectuais está aderindo ao sistema. Eu acho que existem intelectuais que estão mais próximos, mais identificados com o establishment, mas muitos não estão, e muitos procuram manter uma certa independência.
Revista Habitus: Como o senhor enxerga a situação atual do fomento de pesquisas científicas na área das ciências humanas?
Gilberto Velho: Eu acho que já esteve bem pior. Agora mesmo, uma decisão do CNPq de criação de uma espécie de taxa de bancada para os pesquisadores do CNPq – começa com os pesquisadores 1A e deve se estender progressivamente para outros níveis – pode ajudar bastante a área de pesquisa de ciências humanas. Isso é importante. Nós passamos por um período em que a pesquisa básica andou relegada a segundo plano. A FINEP, por exemplo, foi uma agência sempre muito importante no financiamento à pesquisa básica, inclusive na área de humanas, passou vários anos agora praticamente só trabalhando na área tecnológica, empresarial. O nosso programa foi um dos poucos que conseguiu manter uma relação com a FINEP. Mas tudo indica que agora a FINEP voltará a atuar mais na área de pesquisa básica, inclusive das ciências humanas. Então eu acho que, no momento, as perspectivas são melhores. Acabamos de receber a informação do CNPq que a partir do próximo mês os pesquisadores 1A terão uma taxa a mais que poderão usar nas suas pesquisas, inclusive para suplementar alunos, prestação de serviços e despesas de pesquisa de uma certa monta porque, nas ciências humanas, grande parte das nossas pesquisas é “artesanal”. Então, muitas vezes, não cabe em grandes projetos faraônicos. Às vezes até tenta se forçar um pouco isso. Houve coisas importantes no governo Fernando Henrique. O PRONEX, que eu inclusive participei na elaboração, teve conseqüências muito positivas, apoiou grupos importantes e criou grupos importantes. Mas o problema das verbas e do apoio é que é sempre uma verba muito irregular. Então se você tem projetos aprovados, você faz um planejamento, de repente, no meio do projeto, o contingenciamento do governo federal – Ministério do Planejamento e da Fazenda – interrompe o fluxo de recursos. É sempre tudo muito imprevisível, tudo muito irregular. Mas algumas coisas melhoraram. Devo dizer que, com todas as restrições que se possa fazer ao governo do estado, foi neste governo que a FAPERJ melhorou; a FAPERJ passou a funcionar como FAPERJ. Que, até então, nunca tinha funcionado adequadamente. Inclusive um dos instrumentos é a bolsa “cientistas do nosso estado”, que tem beneficiado pesquisadores de várias maneiras. Então eu acho que a situação melhorou. Mas o problema é o futuro, o que pode acontecer, a imprevisibilidade. O importante é ter a garantia de recursos razoáveis e estáveis, é que haja um fluxo de recursos. Em São Paulo existe com a FAPESP. E nós aqui com a FAPERJ, melhorou um pouco a situação, mas está muito longe da situação da FAPESP. Inclusive os estados têm situações muito diferentes. Esperamos que a FINEP realmente volte a atuar de um modo importante para a pesquisa-base e que o CNPq consiga implementar estes projetos. Agora mesmo os alunos estão se beneficiando. Os alunos bolsistas do CNPq de taxa de bancada, além do caso que eu contei dos professores.
Revista Habitus: Como o Sr. enxerga a situação atual da universidade pública?
Gilberto Velho: A universidade pública vive uma crise permanente. Eu acho que essas coisas positivas que eu estava falando para vocês vêm sobretudo da área do Ministério de Ciência e Tecnologia (FINEP, CNPq). A universidade está ligada ao Ministério da Educação. O que ela tem de mais positivo na sua relação com o Ministério da Educação tem sido a atuação da CAPES, que mesmo nos momentos difíceis tem procurado manter um padrão, tem dado algum tipo de recurso. A situação geral da universidade é de descalabro material de recursos. Não é só o Museu Nacional que está com problemas no prédio. O Fundão é uma situação terrível, o IFCS também. Quase todas as unidades das universidades federais estão numa situação precária. Você viaja pelo Brasil...O Sul está melhor que no Nordeste, mas mesmo no Sul existem problemas. As instalações materiais são terríveis, deterioradas em grande parte. Os funcionários têm condições para trabalhar precárias; há falta de funcionários. Eu não vou dizer que os professores são mal remunerados, mas poderiam ser mais bem remunerados. E faltam condições de trabalho. As condições de trabalho dentro da universidade são muito precárias. Vocês como alunos sabem disso. Uma preocupação do Lessa quando foi reitor era com os banheiros – tinha gente que achava que ele não devia se preocupar com essas coisas, mas ele devia sim. Os banheiros não funcionam, são precários. No IFCS é uma coisa terrível. Como é que você vai trabalhar num lugar onde os banheiros não funcionam? Não tem material, não tem giz. Aqui no museu não tem dinheiro pra comprar água para os laboratórios, porque nos laboratórios não se pode trabalhar só com água de bica, tem comprar essa água de garrafão. Não tem dinheiro, entende? A situação geral da universidade é muito ruim. Então você tem ilhas de excelência, tem os pesquisadores do CNPq, tem os programas que são apoiados pelo PRONEX, outros pesquisadores têm o apoio da FAPERJ... Mas dentro de um quadro geral de descalabro. Claro, alguns sempre vão ter que ter mais recursos do que outros, se for na base da competência. Não pode ser distribuído homogeneamente. Você tem partir de um patamar básico de um mínimo de conforto e estabilidade.
Revista Habitus: E quais são suas perspectivas com esse novo governo?
Gilberto Velho: O Ministério da Educação me preocupa muito. Eu não sei até que ponto isso é verdade, mas dizem que o Cristovam Buarque não queria ficar com a universidade, ele queria se dedicar ao ensino básico. Eu não vejo a universidade como prioridade [neste governo]. Eu acho que o ensino básico é fundamental, mas todos são fundamentais. Não se pode dizer que um é mais fundamental do que o outro. Você tem que pensar neles como um conjunto.
Revista Habitus: Como o senhor vê a possibilidade da obrigatoriedade do ensino de filosofia e da sociologia no ensino médio? O senhor vê com bons olhos?
Gilberto Velho: Eu vejo. O problema da obrigatoriedade é que você tem que ter bons professores. Então, se for uma obrigatoriedade acompanhada de um movimento sério para formar professores, faz sentido. Mas uma obrigatoriedade, um decreto, se você não forma bons professores, se não dá condições para os professores trabalharem... Eu sou de uma época em que o curso que a gente fazia tinha muitas disciplinas. Quando o colégio era bom, como era o caso do meu... Eu tive um ótimo professor de filosofia, tive professores de estudos sociais maravilhosos... Mas você para ter estas disciplinas em colégios que não têm condições de ter professores minimamente qualificados, é ruim. Quer dizer, tem que tecer um projeto em que você tenha uma decisão legal de estabelecer a obrigação, mas acompanhada de uma efetiva política de formação de professores. E os professores de ensino médio e fundamental têm que ser melhor remunerados, têm que estudar mais, ter melhores condições de trabalho. Os alunos chegam, na maior parte dos casos, totalmente desprovidos de informações básicas. É uma formação muito ruim, muito precária, muitos não tiveram disciplinas praticamente...
Revista Habitus: O senhor já criticou uma certa busca por homogeneização, por uma padronização nos programas de ensino em todo o país. Como o senhor vê isso atualmente?Gilberto Velho: Eu falo que é importante uma diferenciação, que haja uma pluralidade. Que haja a possibilidade das universidades espalhadas pelo país terem seus programas próprios, não ser um único programa, o único sistema, que haja uma certa diversidade, uma possibilidade de algumas universidades serem mais fortes em uma área e menos em outras. Isso é considerado natural. Não é possível que todas as universidades tenham que ter todos os institutos, todas as faculdades funcionando no mesmo patamar. Tem que haver uma certa escolha em função de peculiaridades disciplinares e regionais. Eu acho que a diversidade é bem vinda. Uma das coisas que eu critiquei é uma burocracia central que estabelece um padrão único de funcionamento pra todo o sistema. Às vezes se estimula a autonomia da universidade e, ao mesmo tempo, paralelamente, se tenta impor um padrão único e homogêneo. É uma mensagem “double-byte”. Quer dizer, é uma mensagem “esquizofrenizante”.
Revista Habitus: Essa padronização vem do Ministério da Educação?
Gilberto Velho: É uma política central do governo que se manifesta através do Ministério da Educação. Acho que tem que haver uma preocupação com a diversidade regional e disciplinar. Eu estava falando bem da CAPES agora, mas é importante que as agências que financiam pesquisas acadêmicas tenham mais percepção – e as sociedades científicas têm esse papel, e a SBPC e a Academia de Ciências, de mostrar que existem especificidades temáticas. Áreas têm ritmos diferentes e peculiaridades. Você não pode ter expectativas de que uma pós-graduação de filosofia ou em antropologia siga exatamente o padrão de uma engenharia de produção. Em termos de tempo, em termos de rendimento... São ritmos diferentes em função dos objetos que são diferentes. São tipos de conhecimento distintos.
Revista Habitus: Como o Sr. vê o espaço de produção intelectual ao nível da graduação e da pós-graduação?
Gilberto Velho: Eu acho que a pós-graduação que foi criada no Brasil e consolidada, sobretudo, a partir do final dos anos 60 e nos anos 70, em parte supriu deficiências da formação da graduação. Mas num outro nível, as agências de pós-graduação passaram a beneficiar a graduação na medida em que passou a formar pesquisadores e professores. Então existe uma relação entre as duas. O importante é ver isso no modo global e verificar que uma das funções da pós-graduação é formar docente. Não em termos de técnicas de ensino, como a licenciatura faz, mas de preparar pessoas para darem aula na universidade. Então, é preciso tomar muito cuidado para que essa formação da pós-graduação não seja hiper-especializada. Porque as pessoas vão dar aula na graduação em diferentes disciplinas. Então, se eu faço uma tese sobre campesinato no Rio Grande do Sul, isso não quer dizer que eu só vá falar disso nas minhas aulas de graduação – vou ter que dar aula sobre religião, vou ter que falar sobre cidade, vou ter que falar sobre índio, eventualmente. Então, a formação na pós-graduação tem que ser suficientemente ampla porque as pessoas quando passam a dar aula na graduação têm que ter por detrás uma base, uma cultura geral. Eu tenho muito medo da hiper-especialização. Eu não lido diretamente com a graduação há muitos anos, mas acho que a graduação é um lugar que deve ser, dentre outras coisas, um lugar de cultura geral. Eu acho que tem que estudar mais história... O aluno de ciências sociais tem que saber mais história, o aluno de história tem que saber mais de ciências sociais, tem que ler mais literatura... Por literatura, eu digo: Machado de Assis, Balzac, Proust... Tem que ter uma formação de cultura geral, como é um pouco o College. Eu acho que falta uma formação de cultura geral. Na graduação, às vezes, as pessoas têm a bolsa de iniciação científica e já se especializam na pesquisa tal e perdem a possibilidade de estudar outras coisas, de terem uma formação mais universal. Isso tem a ver também com as deficiências da universidade em outro nível. O próprio campus: como é que o aluno do IFCS vai estudar literatura no Fundão? Como é que o sujeito do Fundão vai estudar antropologia no IFCS? E os da Praia Vermelha? Então, é difícil que as pessoas possam ter essa formação mais ampla. Mas é absolutamente necessária. Eu acho que, na área de humanas, é um empobrecimento muito grande você ter uma pessoa que está discutindo meio rural e você fala em feudalismo europeu, aí você fala em Carlos Magno e a pessoa acha que é o goleiro do América (risos).
Revista Habitus: Como o senhor vê a produção intelectual em “novas mídias”, principalmente na área de ciências sociais, aonde vem surgindo várias revistas eletrônicas?
Gilberto Velho: Eu acho que são recursos novos, interessantes, com grande potencial, embora deva confessar a vocês que não é bem minha praia. No universo da informática, eu participo de uma forma bem circunstancial. Eu dependo muito de minhas assistentes. Mas eu acho que tem um potencial enorme e acho que o acesso às revistas, por exemplo, é importante. As revistas eletrônicas são importantes, e eu acho que é perfeitamente possível compatibilizar a cultura tradicional do livro, da revista escrita tradicional, com o uso da mídia eletrônica. Eu acho que não podem ser vistas como dois fenômenos antagônicos, mas como fenômenos complementares.
Fonte: Revista Habitus, Vol. I, Número 2. Rio de Janeiro, 2003.
www.habitus.ifcs.ufrj.br/

Antropologia Urbana - Alba Zaluar: violência, pobreza, Cidade de Deus etc.











Entrevista de Alba Zaluar concedida à Folha de São Paulo em 12 de julho de 2004

Hipermasculinidade leva jovem ao mundo do crime

Antônio Gois

De alguém que estuda há mais de 20 anos o fenômeno da violência urbana brasileira, seria lógico esperar pessimismo -nesse período, os números da criminalidade não pararam de crescer e de assustar quem acompanha o problema. Esse não é, entretanto, o caso da antropóloga Alba Zaluar.

Em entrevista à Folha, a pesquisadora, uma das primeiras a estudar a infiltração do narcotráfico nas comunidades pobres do Rio de Janeiro, disse que é possível superar o problema da violência no Brasil com mais facilidade do que, por exemplo, nos Estados Unidos. "Eu diria que temos motivos para otimismo porque não somos um país de guerreiros. Nos Estados Unidos, as vizinhanças se organizaram em gangues. No Brasil, elas se organizaram em blocos de Carnaval e em escolas de samba. Isso é uma baita diferença", afirma a antropóloga. Zaluar refuta a idéia de que a pobreza e a desigualdade sejam as principais responsáveis pela violência nas grandes cidades. "Se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus [conjunto habitacional favelizado, na zona oeste do Rio] e concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime. Como explicar que a maioria das pessoas não se envolveu com o tráfico? Certamente tem algo a mais aí", diz ela.

Segundo Zaluar, esse "algo a mais" está ligado a um "etos da hipermasculinidade", que leva alguns jovens do sexo masculino a se arriscarem no tráfico de drogas em busca do reconhecimento por meio da imposição do medo. "É preciso fazer políticas públicas mais eficientes e focadas nos jovens que estão nessa fase difícil da adolescência, para que eles possam construir uma imagem civilizada de homem, que tenha orgulho de conter a sua violência e respeitar o adversário, competindo segundo as regras estabelecidas", afirma.

Alba Zaluar é coordenadora do Nupevi (Núcleo de Pesquisa das Violências) da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). A pesquisa dirigida por ela na Cidade de Deus, nos anos 80, deu origem ao seu livro "A Máquina e a Revolta" (editora Brasiliense). Integrante na época de sua equipe de pesquisadores, Paulo Lins escreveu "Cidade de Deus", origem do filme de mesmo nome. Nem o livro nem o longa-metragem agradam à antropóloga, que está lançando neste mês um novo livro sobre a violência ("Integração Perversa").

A Folha tentou entrar em contato com o escritor Paulo Lins para que ele tivesse a oportunidade de responder às críticas da antropóloga Alba Zaluar ao seu livro "Cidade de Deus". Na tarde de sexta-feira, foi enviada uma mensagem para o e-mail do escritor, mas não houve resposta até o fechamento desta edição. Nos números fornecidos pela assessoria de imprensa da Companhia das Letras (editora que publicou "Cidade de Deus"), não foi possível deixar recado para Lins.

Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista.

Folha - A violência nas regiões metropolitanas brasileiras aumentaram muito nos últimos anos. Por que, apesar disso, a senhora diz que temos motivos para otimismo? Alba Zaluar - Eu diria que temos motivos para otimismo porque não somos um país de guerreiros. Nunca nos envolvemos, por exemplo, em guerras mundiais. Nossos heróis são jogadores de futebol, sambistas e artistas. Somos um país que valoriza muito o espetáculo e que reconhece que o talento pode aparecer em qualquer classe social. Nos Estados Unidos, o [diretor Martin] Scorsese nos mostra [no filme "Gangues de Nova York"] que as vizinhanças se organizaram, desde o século 19, em gangues. No Brasil, as vizinhanças se organizaram em blocos de Carnaval e escolas de samba. Isso é uma baita diferença. Até hoje, os chefes do tráfico no Brasil ganham apelidos no diminutivo, como Fernandinho ou Escadinha. Nos Estados Unidos, os apelidos são de animais ferozes ou nomes de guerreiros africanos. Esse é um indicativo de que nosso etos guerreiro não é tão forte quanto o de lá. Isso mostra que é possível superá-lo com mais facilidade.

Folha - Então por que estamos tão violentos? Zaluar - É preciso ter políticas públicas para superar isso. Houve no Brasil um fraquejo institucional do Estado. É preciso mudar nossa polícia e o Judiciário para que a impunidade diminua, especialmente nas classes mais privilegiadas. É preciso, por exemplo, achar uma maneira de valorizar o profissionalismo na polícia. Hoje, os governos acabam indicando os delegados e chefes de batalhão por critérios políticos. Os Estados têm que acabar com o bairrismo e trabalhar em conjunto.

Folha - Em que período a senhora identifica o início desse fraquejo do Estado? Zaluar - No que diz respeito à polícia, isso é claro durante a ditadura militar [1964-1985]. Nesse período, tudo foi permitido à polícia. A imprensa estava amordaçada e ninguém podia denunciar abusos. A maneira de combater a corrupção é criar mecanismos internos de controle e não amordaçar ninguém. É preciso ter mecanismos por meio dos quais as pessoas atingidas pela violência policial possam fazer reclamações sem temer pela própria vida.

Folha - Pobreza e desigualdade não são também elementos fundamentais para explicar a violência? Zaluar - A idéia do nosso projeto no Nupevi é ultrapassar a argumentação simplista do determinismo econômico que faz com que se pense que toda a questão da violência e da criminalidade possa ser explicada apenas pela pobreza e pela desigualdade. Trabalhamos com a idéia de um modelo de complexidade. Levamos em conta vários elementos que se arranjam de uma determinada forma que acabam provocando essa combustão. Estamos falando apenas que a pobreza, só, não explica o fenômeno. É bom lembrar que esse é um fenômeno que aparece na década de 70. Não é verdade dizer que isso surgiu somente agora. Ao determinar a pobreza como causa da violência, estamos dando um peso que ela não tem e facilitando a criminalização dos pobres, porque leva à conclusão de que são eles os criminosos. Isso justificaria o fato de termos 90% de pobres entre nossos prisioneiros, quando sabemos que há juízes, banqueiros, comerciantes, deputados, senadores e governantes envolvidos no mundo da atividade criminosa.

Folha - Mas a existência de um contingente grande de jovens pobres que convivem diariamente com a desigualdade não é um fator que facilita a entrada deles no tráfico de drogas? Zaluar - Não estamos dizendo que a pobreza e a desigualdade não têm nada a ver com o problema. Há várias pesquisas que mostram que os Estados mais pobres do Brasil são também os menos violentos. Londrina é uma cidade riquíssima para os padrões brasileiros, mas é violenta. Campinas também. Nos Estados, percebe-se também que os municípios mais pobres são menos violentos. Uma parte da explicação dessa questão está no fato de as regiões metropolitanas atraírem mais imigrantes. Essa concentração de muita gente nessas regiões sem emprego e sem alternativa facilita a atração para as atividades do tráfico. Mas não são todos os que são atraídos, e é aí que está o mistério. Se a desigualdade explicasse a violência, todos os jovens pobres entrariam para o tráfico. Fizemos um levantamento na Cidade de Deus e concluímos que apenas 2% da população de lá está envolvida com o crime. Como explicar que a maioria das pessoas não se envolveu com o tráfico? Certamente tem algo a mais aí.

Folha - E o que seria esse algo a mais? Zaluar - Parece-me o fato de que alguns se deixam seduzir por uma imagem da masculinidade que está associada ao uso da arma de fogo e à disposição de matar, ter dinheiro no bolso e se exibir para algumas mulheres. A partir de entrevistas que minha equipe fez com jovens traficantes, definimos isso como um etos da hipermasculinidade. Esse é um fenômeno que está sendo muito estudado nos EUA e na Europa e diz respeito a homens que têm alguma dificuldade de construir uma imagem positiva de si mesmos. Precisam da admiração ou do respeito por meio do medo imposto aos outros. Por isso se exibem com armas e demonstram crueldade diante do inimigo.

Folha - Como combater a construção dessa imagem? Zaluar - É preciso fazer políticas públicas mais eficientes e focadas nos jovens que estão nessa fase difícil da adolescência, para que eles possam construir uma imagem civilizada de homem, que tenha orgulho de conter a sua violência e respeitar o adversário, competindo segundo as regras estabelecidas, como acontece nas competições esportivas e na disputa dos desfiles de escolas de samba. No último capítulo do meu novo livro, eu relato a experiência que tentei desenvolver em escolas públicas do Rio. Conseguimos ter resultados positivos ao desenvolver o projeto Mediadores da Paz, que tentava mostrar aos jovens a importância de negociar os conflitos por meio das palavras e como isso podia trazer para eles respeito próprio e das outras pessoas. Nesse projeto, incentivávamos jovens a mediar conflitos entre colegas.

Folha - A senhora faz duras críticas ao livro e ao filme "Cidade de Deus", mas eles não retratam bem essa questão da construção do etos da hipermasculinidade? Zaluar - O Zé Pequeno [um dos principais personagens do filme] seria um exemplo dessa hipermasculinidade, mas, na minha opinião, o problema de "Cidade de Deus" é muito mais sério. Em primeiro lugar, o Paulo Lins fez o livro sem consultar as pessoas envolvidas. A pesquisa acadêmica é uma coisa séria. Eu emprestei a ele toda a pesquisa que fizemos na Cidade de Deus. Esse material tinha o depoimento do único sobrevivente da guerra [entre traficantes] retratada no filme, que é o Ailton Batata, que aparece no romance com o nome de Sandro Cenoura. Além disso, há uma série de impropriedades no romance. Nunca existiu, por exemplo, aquele bando de meninos ainda com dente de leite dando tiro nas pessoas. Isso é mentira, e é muito sério porque cria uma imagem sobre as crianças que vivem nesses locais que não é verdadeira. A própria história do Zé Pequeno é contada como se ele já tivesse nascido ruim. É uma volta à teoria do criminoso nato, que, do ponto de vista da criminologia, já está completamente superada.

Folha - Como a senhora vê a forma como a imprensa tem tratado a questão da violência urbana? Zaluar - Estou menos preocupada hoje do que já estive. Já não vejo mais tantas fotos de traficantes e de matadores colocadas nas primeiras páginas dos jornais com destaque enorme. Isso dá fama a essas pessoas e é mais uma atração para os jovens em busca dessa fama. Os traficantes já são conhecidos pela sua dureza, mas, quando a foto deles aparece nos jornais, isso contribui mais ainda para essa fama. Infelizmente, os jornais ainda continuam dando nomes, o que contribui para a permanência do círculo vicioso de atração dos jovens.

Folha - A senhora é uma das especialistas mais procuradas pelos jornalistas para comentar casos de violência. Os jornais não acabam falando sempre com os mesmos especialistas? Zaluar - Recentemente, fui procurada para comentar a rebelião em Benfica [que resultou na morte de 30 detentos e de um agente penitenciário na casa de custódia da zona norte do Rio, em maio]. Disse ao jornalista que não sabia nada sobre esse assunto e indiquei outros especialistas. Quase sempre aparecem as mesmas pessoas nos jornais. Em alguns casos, é gente que entende muito pouco do assunto e diz qualquer coisa só para aparecer. Isso acaba alimentando essa "Darlene" que existe dentro dos intelectuais. Tem que haver seriedade no tratamento dessa questão.

Fonte: Folha de São Paulo, em 12 de julho de 2004

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Antropologia Urbana - Vídeos

ASSISTA AO VÍDEO
Conferência Inaugural Profa. Dra. Mariza Peirano (UnB)
Etnografia, ou a teoria vivida [e outras sobre Antropologia Urbana]

Universidade de São Paulo
VI GRADUAÇÃO EM CAMPO
Seminários de Antropologia Urbana
de 20 a 23 de agosto de 2007

http://www.n-a-u.org/2007.html/2007.html

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

e-list - Antropologia no/do Brasil

CONVITE PARA SUBSCREVER A LISTA ANT-BRA

A Ant-Bra convida antropologos e outros cientistas sociais de
nivel de pos-graduacao a subscrever a lista.

Atendendo a 600 subscritos internacionalmente, a lista dedica-se
'a difusao de eventos, noticias, empregos, bolsas de pesquisa, e
informativos (ABA, ANPOCS, FGV) de interesse direto da
antropologia brasileira, brazilianista e latino americana.
Fundada em 1998, a Ant-Bra e' reconhecida com links nas websites
da ABA, AAA, dentre outras organizacoes internacionais.

Para subscrever:
https://listhost.uchicago.edu/mailman/listinfo/ant-bra

Outras questoes, favor contactar Anthony D'Andrea (moderador da
Ant-Bra): a-dandrea@uchicago.edu

_____________________________________________________


Ant-Bra - E-forum de Antropologia do/no Brasil
Para subscrever:
https://listhost.uchicago.edu/mailman/listinfo/ant-bra

domingo, 18 de novembro de 2007

ABA - 26ª Reunião Brasileira de Antropologia




(informações detalhadas)
GT 1 - Os sentidos sociais do dinheiro: perspectivas etnográficasCoordenador: Omar Ribeiro Thomaz (unicamp - ifch), federico neiburg (PPGAS - UFRJ),
GT 2 - Imigração em contextos nacionais e internacionaisCoordenador: Igor José de Renó Machado (UFSCAR), Maria Catarina Chitolina Zanini (UFSM),
GT 3 - Os Quilombos para além dos laudos – conflitos, organização e políticasCoordenador: José Maurício Arruti (PUC-Rio e CEBRAP), José Augusto Laranjeira Sampaio (UNEB e ANAÍ),
GT 4 - O fazer, o ler e o escrever imagens e sons e suas apresentações e representações na narrativa etnográfica Coordenador: marco antonio gonçalves (UFRJ), Sylvia Cauiby Noaves (usp),
GT 5 - Cidadania e Territorialização étnica: novos e velhos sujeitos do direitoCoordenador: Ricardo Cid Fernandes (UFPR), Cintia Beatriz Muller (COHRE),
GT 6 - O Islã na Contemporaneidade: perspectivas identitárias/alteridade, migratórias e percepções do sensívelCoordenador: Francirosy Campos Barbosa Ferreira (ESP), Claudia Voigt Espinola (UFSC),
GT 7 - Povos Indígenas e Fronteiras Internacionais: uma perspectiva antropológicaCoordenador: Stephen Grant Baines (UnB), Bruce Granville Miller (UBC),
GT 8 - Substancias Psicoativas: Cultura e PolíticaCoordenador: Edward MacRae (UFBA), Rodrigo de Azeredo Grünewald (UFCG),
GT 9 - Desafios Contemporâneos para uma Antropologia da Educação: ensino, pesquisa e políticas de igualdade Coordenador: Neusa Maria Mendes de Gusmão (UNICAMP), Janirza Cavalcante da Rocha Lima (FUNDAJ),
GT 10 - Antropologia do EstadoCoordenador: Ciméa Barbato Bevilaqua (UFPR), Piero de Camargo Leirner (UFSCar),
GT 11 - Rupturas na vida cotidiana: saberes e fazeres antropológicos em contextos de riscos, desastres e medos sociais. Coordenador: Cornelia Eckert (UFRGS), Telma Camargo da Silva (UFG),
GT 12 - Antropologia, Engajamento Militante e Participação PolíticaCoordenador: Wilson José Ferreira de Oliveira (UFPEL), Elisa Guaraná de Castro (UFRRJ),
GT 13 - Imagens e Sociedades: balanço crítico das possibilidades analítico-interpretativas na antropologia visualCoordenador: Edgar Teodoro da Cunha (FGV),
GT 14 - Direitos Humanos, Práticas de Justiça e Diversidade CulturalCoordenador: Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer (FFLCH - USP), Patrice Schuch (UFRGS),
GT 15 - Cultura popular, patrimônio imaterial e cidadesCoordenador: Sérgio Ivan Gil Braga (UFAM), Luciana Carvalho (IPHAN),
GT 16 - TEMAS ATUAIS RELACIONADOS À QUESTÃO DE GÊNERO ENTRE OS POVOS INDÍGENASCoordenador: Vanessa Rosemary Lea (IFCH), Levi Marques Pereira (UFGD),
GT 17 - Tecnologias de escrutínio do corpo – Uma antropologia das “novas” ciências da vida Coordenador: Núbia Bento Rodrigues (UFBA), Annette Leibing (UdM),
GT 18 - Arquivos e Histórias da Antropologia Brasileira: tradições visíveis e invisíveisCoordenador: Christina de Rezende Rubim (UNESP), Antônio Carlos Motta de Lima (UFPE),
GT 19 - Sistemas de Justiça Criminal e Segurança Pública, em uma perspectiva comparada: processos de administração institucionalCoordenador: Roberto Kant de Lima (UFF), Sofia Tiscornia (UBA),
GT 20 - A composição do social: coletando humanos e não-humanosCoordenador: Eduardo Viana Vargas (UFMG), Guilherme José da Silva e Sá (UFSM),
GT 21 - Percursos de Saúde no Brasil de Hoje: Religião, Corpo e Saúde Coordenador: Raymundo Heraldo Maués (UFPA), Bartolomeu Tito Figueiroa de Medeiros (UFPE),
GT 22 - Antropologia e Turismo: diferença, desigualdade e processos reflexivosCoordenador: Rafael José dos Santos (UCS), Margarita Barretto (CNPq),
GT 23 - Agentes de Diálogos e Participação Indígena nas Políticas PúblicasCoordenador: MÁRCIA MARIA GRAMKOW (GTZ), Maria Helena Ortolan Matos (UFAM),
GT 24 - Religião, gênero, sexualidades e reproduçãoCoordenador: Emerson Alessandro Giumbelli (UFRJ), Maria Amelia Schmidt Dickie (UFSC),
GT 25 - Natureza, Corpo, SentidosCoordenador: Luiz Fernando Dias Duarte (MN/UFRJ), Cynthia Andersen Sarti (UNIFESP),
GT 26 - Antropologia Feminista no Brasil? Reflexões e desafios de um campo em construçãoCoordenador: Alinne de Lima Bonetti (SPM), Miriam Steffen Vieira (UFRGS), Alinne de Lima Bonetti (SPM),
GT 27 - Identidades, Redes e Territorialidades no Espaço RuralCoordenador: Emília Pietrafesa de Godoi (UNICAMP), Marilda Aparecida de Menezes (UFCG),
GT 28 - PESCADORES E PESCARIAS: ESTADO DAS ARTES E PERSPECTIVASCoordenador: Andrea Ciacchi (UFPB), Ronaldo Joaquim da Silveira Lobão (UFF),
GT 29 - Perspectivas antropológicas sobre meio(s) ambiente(s): aportes teóricos, metodológicos e etnográficosCoordenador: Neide Esterci (UFRJ), Henyo Trindade Barretto Filho (IEB),
GT 30 - Antropologia Feminista no Brasil? Reflexões e desafios de um campo em construçãoCoordenador: Alinne de Lima Bonetti (SPM), Miriam Steffen Vieira (UFRGS), Alinne de Lima Bonetti (SPM),
GT 31 - “Diferenças e desigualdades na mídia: um olhar antropológico” Coordenador: Nara Maria Emanuelli Magalhães (UFRGS), Isabel Siqueira Travancas (FCRB),
GT 32 - Etnias e religiosidade: perspectivas políticas e cosmológicas Coordenador: Izabel Missagia de Mattos (UCG), Pablo Wright (UBA),
GT 33 - Antropologia e Gênero: a questão da subjetividadeCoordenador: Mara Coelho de Souza Lago (UFSC), Elisete Schwade (UFRN),
GT 34 - Narrativas e percepções nativas das relações de contato com os brancosCoordenador: Valéria Soares de Assis (UEM), Deise Lucy Oliveira Montardo (UFAM),
GT 35 - SABERES E PRÁTICAS DA ALIMENTAÇÃO: DESIGUALDADE, DIVERSIDADE E IDENTIDADECoordenador: SANDRA SIMONE QUEIROZ DE MORAIS PACHECO (UNEB), ESTHER Fernande Rose KATZ (IRD),
GT 36 - Da Aldeia ao Território – Inferências Arqueológicas sobre o EspaçoCoordenador: ANA PAULA DE PAULA LOURES DE OLIVEIRA (UFJF), CARLOS XAVIER DE AZEVEDO NETTO (UFPB),
GT 37 - SEXUALIDADES, CULTURAS ÉTNICAS/RACIAIS E IDENTIDADESCoordenador: Laura Moutinho (USP), Fabiano Gontijo (UFPI),
GT 38 - GT Antropologia do Mal.Coordenador: REGINA COELI MACHADO E SILVA (UNIOESTE), ANA LÚCIA MODESTO (UFMG),
GT 39 - O mesmo e o diverso nos cenários contemporâneosCoordenador: Edson Silva de Farias (UnB), Juliana Gonzaga Jayme (PUC_MG),
GT 40 - Políticas Públicas e Antropologia nas áreas de Direitos Humanos, Segurança Pública e ComunidadesCoordenador: Ana Paula Mendes de Miranda (ISP), Maria Victoria Pita (UBA),
GT 41 - Etnografias Urbanas:a casa, a rua e o bairro de uma perspectiva antropológicaCoordenador: Neiva Vieira da Cunha (UERJ), Wilma Marques Leitão (UFPA),
GT 42 - Articulações entre Gênero, Sexualidade, Raça e Classe na AntropologiaCoordenador: Zulmira Newlands Borges (UFSM), Jaqueline Ferreira (FIOCRUZ),
GT 43 - A Tarefa da Tradução Cultural em AntropologiaCoordenador: Priscila Faulhaber Barbosa (MPEG), Clarice Cohn (UFSCAR),
GT 44 - POVOS INDÍGENAS:DINÂMICA TERRITORIAL E CONTEXTOS URBANOSCoordenador: FABIO MURA (LACED), MARIA FATIMA ROBERTO MACHADO (UFMT),
GT 45 - Terapeutas, cuidadores e curadores populares: Uma interface entre Antropologia, cidadania e saúde popularCoordenador: Soraya Fleischer (CFemea), Carmen Susana Tornquist (UDESC),
GT 46 - Meio Ambiente, Gestão de Recursos Comuns e Políticas PúblicasCoordenador: Maristela de Paula Andradade (UFMA), Sueli Pereira Castro (UFMT),
GT 47 - Gênero, transnacionalização e migraçõesCoordenador: Gláucia de Oliveira Assis (UDESC), Adriana Gracia Piscitelli (UNICAMP),
GT 48 - Coleções, Museus e Patrimônios Coordenador: Regina Maria do Rego Monteiro de Abreu (UNIRIO), Manuel Ferreira Lima Filho (UCG),

Fichamento Melatti

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
Centro de Humanidades
Curso de Ciências Sociais
Antropologia III
Anne Caroline Bento de Araújo Mendonça
Prof. Max Maranhão – sala 36
Horário M24AB


MELATTI, Julio Cezar. Antropologia no Brasil: Um Roteiro, 1983. Republicado no BIB 17, 1984: 3-52. Novamente republicado em O que se deve ler em Ciências Sociais no Brasil, vol. 3 (edição englobando BIB de nº 15 a nº 19). São Paulo: Cortez e ANPOCS, 1990: 123-211.


A PARTIR DOS ANOS 60

“Nos anos 60, a Etnologia começa a passar, no Brasil, sob vários aspectos, por significativas modificações.” (p.21)

“[...]Em 1957, também por iniciativa de Darcy Ribeiro, criou-se o “Curso de Formação de Pesquisadores Sociais” no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), que pretendia ser uma continuação e ampliação do anterior, conforme notícia veiculada no periódico deste órgão (Educação e Ciências Sociais, 1957). [...]” (p.21)

“...os cursos do Museu Nacional eram na época considerados como que de pós-graduação, embora não se regessem pela regulamentação que se consolidou posteriormente.[...]” (p.21)

“[...]Com a criação de mais outros cursos de pós-graduação, que vieram se acrescentar a este e ao que, havia muito, se mantinha na Universidade de São Paulo, como o da Universidade de Brasília (Cardoso de Oliveira, s.d.), o da UNICAMP e outros mais recentes, o número de etnólogos começou a crescer rapidamente, fazendo com que esses profissionais deixassem de constituir um velho grupo de amigos em que todos se conheciam. [..]” (p.21)

“Certos temas perdem o interesse, como os estudos de comunidade, substituídos por pesquisas de caráter mais regional, nas quais se examinam determinados problemas como o do campesinato, o dos assalariados rurais, dos trabalhadores urbanos, das frentes de expansão e pioneiras. A Antropologia Urbana se desenvolve, tratando primeiramente da migração rural-urbana e da vida nas favelas, para em seguida avançar no sentido das camadas médias, o comportamento desviante e as instituições totais. Começa a se formar interesse em torno da Antropologia Médica ou da Saúde.” (p.22)

“[...]Preocupações de caráter estruturalista e etno-científico substituem as interpretações funcionalistas. [...]” (p.22)

“O crescimento do número de etnólogos com boa formação se reflete nos cursos de graduação, onde passam a lecionar, e, conseqüentemente, no movimento editorial. Na década de 60 as editoras brasileiras começam a traduzir manuais estrangeiros de Antropologia...” (p.22)





“[...]O primeiro trabalho de grande fôlego sobre a Etnologia no Brasil, o de Mariza Gomes e Souza Peirano (1980), põe em foco sobretudo a obra e as idéias de alguns pesquisadores (Florestan Fernandes, Antonio Candido, Darcy Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira, Roberto da Matta e Otávio Velho), cuja atividade começa no início ou no final do período anterior, continuando a influir ou a se desenvolver no atual.” (p.22)

Fricção Interétnica E Etnicidade

“...o emprego da noção de aculturação em alguns trabalhos implicava em conceder ao conceito de cultura atributos que contribuíam mais para obscurecer do que esclarecer as situações estudadas, seja considerando-o como independente das mentes dos membros das sociedades consideradas, agindo segundo leis próprias, seja confundindo-o com o conceito de sociedade.” (p.22-23)

“...uma consideração mais atenta da própria população civilizada que envolve as sociedades indígenas estudadas, indispensável para os estudos de fricção interétnica, contribuiu para conduzir o interesse para o campesinato não-indígena e as frentes de expansão e pioneiras.” (p.23)

“Os estudos de fricção também se voltaram para o exame do conflito de interesses entre determinadas populações indígenas e certas “frentes” não propriamente de caráter econômico, como missões e escolas.[...]” (p.23)

“Se os estudos de fricção interétnica focalizam sobretudo os aspectos econômicos, sociais e políticos do contato, a face ideológica do mesmo passou a ser examinada segundo as noções de identidade étnica, grupo étnico, etnia, que, embora vislumbradas no primeiro trabalho de Cardoso de Oliveira sobre os Tukúna, passaram a ser sistematicamente examinadas por ele após 1970, tarefa de que é exemplo seu volume Identidade, etnia e estrutura social (São Paulo, Pioneira, 1976).[...]” (p.23)

“A noção de etnia e aquelas que lhe são associadas implicam como que numa etno-sociologia do contato interétnico, ou seja, uma classificação dos grupos ou categorias sociais segundo os membros dos grupos em confronto e não a partir de uma classificação apriorística do pesquisador. Por isso, a familiaridade com estudos de classificação desenvolvidos pelo estruturalismo ou pela etnociência são de grande valia para o desempenho do pesquisador. [...]” (p.24)

“[...]Possivelmente, a noção de etnia talvez possa vir a fazer a ponte que não existia entre os estudos de aculturação, que envolviam índios e civilizados ou brasileiros e imigrantes, e os estudos de relações raciais, que contrapunham negros e brancos.[...]” (p.24)



“Os anos 70 foram marcados por um esforço, que continua a vigorar, de alguns etnólogos em colaborarem com os povos indígenas, pelos quais se interessam academicamente, na obtenção de soluções para seus problemas mais urgentes, como demarcação de terras, assistência médica, instrução, administração direta pelos índios de sua produção para mercado e outros. [...]” (p.24)

As Sociedades Indígenas Como Totalidades Socioculturais

“Neste período ganharam impulso os estudos sobre a estrutura social das sociedades indígenas. Essa nova fase se deve, em parte, ao trabalho de pesquisa que David Maybury-Lewis desenvolveu entre os Xavânte, a partir do final da década de 50, segundo os tópicos de interesse e de metodologia da Antropologia Social inglesa. Com base nessa experiência inicial, esse pesquisador desenvolveu um projeto referente aos índios do Brasil central, sobretudo da família lingüística Jê, para ser realizado por seus alunos de Harvard e, acoplado ao projeto “Estudo comparativo das sociedades indígenas do Brasil”, de Roberto Cardoso de Oliveira, por pesquisadores do Museu Nacional.[...]” (p.25)

“[...]Uma das contribuições de alguns desses trabalhos referentes aos Jê e grupos assemelhados foi a averiguação de que a noção de pessoa que mantêm é de fundamental importância para a compreensão de sua estrutura social...” (p.25)

“Nos anos 70, além de continuar o interesse pelos Jê, retoma-se a atenção por mais três áreas, o alto Xingu, o alto rio Negro e Roraima, sendo que as duas primeiras tinham sido estudadas no período anterior, nas suas características mais gerais, por Eduardo Galvão.[...]” (p.25)

“[...]No alto rio Negro, as pesquisas têm incidido principalmente no outro lado da fronteira, na Colômbia, mas são de muita importância para se compreender os índios do lado brasileiro, pois vivem segundo as mesmas duas grandes tradições: a dos índios das florestas (Makú) e a dos índios dos grandes rios (Tukâno Orientais e alguns Aruák).[...]” (p.26)

“Se a década dos 60 foi marcada por uma forte presença de alunos de doutorado norte-americanos, na dos 70 a eles se acrescentaram ingleses e franceses. [...]” (p.26)

“Os estudos de totalidades socioculturais indígenas mostram, neste período, uma tendência a passar do funcionalismo ou do estrutural-funcionalismo para uma abordagem mais estruturalista ou influenciada pela etnociência, dando importância, variável segundo os casos, às classificações mantidas, conscientemente ou não, pelos próprios índios. [...]” (p.26)

Mitologias E Ritual Como Sistemas Ativos

“Mas foi sem dúvida Claude Lévi-Strauss, com seus artigos sobre mitos e sobretudo os quatro volumes de suas Mythologiques (Paris, Plon, 1964, 1966, 1968 e 1971), que marcou uma reviravolta nos estudos de mitologia.[...]” (p.27)

“[..]Além de inspirar vários artigos sobre mitos tribais escritos no Brasil, as sendas abertas por Lévi-Strauss permitiram a Roberto da Matta analisar o conto sertanejo de Pedro Malasartes e mesmo, escapando ao âmbito do mito, abordar contos literários de Edgar Alan Poe e Guimarães Rosa. [...]” (p.27)

“Se os mitos indígenas levaram à produção de vários trabalhos, os ritos, que deles não se podem desligar, deram motivo à produção de livros...” (p.27)

“[...]Roberto da Matta tem tomado os ritos como uma porta de entrada para o conhecimento da sociedade brasileira; suas reflexões sobre o assunto estão bem representadas em Carnavais, malandros e heróis (Rio de Janeiro, Zahar, 1979). [...]” (p.27)

“A vitalidade dos ritos e dos mitos talvez se demonstre de maneira mais patente nos movimentos messiânicos. Apesar de seu caráter político, seus adeptos fazem deles participar personagens míticos ou rituais, ou seja, nesses momentos de crise ritos e mitos rompem as molduras em que são normalmente contidos.[...]” (p.28)

Estudos Regionais E Estudos Em Comunidade

“De certa maneira, os chamados “estudos de comunidade” do período anterior, muito criticados, foram substituídos pelos que poderíamos chamar de “estudos regionais”, um termo que não tem a divulgação do primeiro.[...]” (p.28)

“[...]A princípio dava a impressão de se ter fragmentado em um certo número de pesquisas individuais, mas duas áreas ganharam dos pesquisadores um interesse mais permanente: uma foi a zona da mata nordestina, de plantação de cana e produção de açúcar, nos estados de Paraíba, Pernambuco e Alagoas; a outra foi a área constituída pela margem oriental da Amazônia, ou seja, pelo leste do Pará, oeste do Maranhão e norte de Goiás, uma zona afetada por frentes de expansão e pioneiras de caráter diversificado.” (p.28)

“Uma terceira região onde começam a se concentrar pesquisas etnológicas e sociológicas é a constituída pelo leste e o norte de Mato Grosso e que envolve várias instituições e projetos. [...]” (p.29)

“A banda ocidental do Vale do rio São Francisco, na área fronteiriça entre Minas Gerais e Bahia, tem sido alvo de projetos abrigados pela Universidade de Brasília.[...]” (p.29)

“Também como estudo regional pode ser considerado o projeto desenvolvido no interior de Sergipe, a respeito da evolução das relações de trabalho, e que conjuga a pesquisa etnológica com a histórica. [...]” (p.30]

“Por outro lado, já existe uma série de estudos sobre temas específicos desenvolvidos, sem que estejam ligados a projetos mais amplos, em pequenas comunidades.[...]” (p.30)

“[...]Ora, apesar de todos tratarem de comunidades de pescadores, um simples deitar de olhos sobre seus temas nos mostra que poderiam ser incorporados a distintos estudos comparativos, juntamente com trabalhos sobre não-pescadores, sobre diversos assuntos: sistemas de classificação, Antropologia da Saúde, identidade étnica, reprodução social, estratégias de sobrevivência etc.” (p.30)

“A singularidade étnica de certas comunidades rurais também tem sido examinada em algumas pesquisas recentes, que oscilam entre os enfoques culturalista e etnicista. [...]” (p.31)

“Se os estudos de comunidade do período anterior foram objeto de várias apreciações, tanto por parte de alguns de seus realizadores como daqueles que não os achavam adequados para atingir os objetivos a que se propunham, os estudos regionais e os estudos em comunidades não parecem ter até agora suscitado nenhum comentário crítico.” (p.31)

Antropologia Urbana

“Durante a década dos 60 (para época anterior ver também Roger Bastide, 1955a) as pesquisas sobre cidade, a julgar pela bibliografia apresentada por Eunice Ribeiro Durham (1971, pp. 75-80), se concentravam sobre as migrações da área rural para a urbana e sobre diversos problemas referentes às favelas, focalizados segundo os ângulos da marginalidade, participação, urbanização e desenvolvimento, que permitiam integrar resultados de diferentes disciplinas (Durham, 1971, pp. 69-70).[...]” (p.31)

“[...]O tema da migração ainda perdura na passagem para a década seguinte, como é exemplo o trabalho de Cláudia Menezes desenvolvido em Anápolis (A mudança, Rio de Janeiro, Imago; Brasília, INL, 1976).[...]” (p.31)

“Parece haver modificações significativas na Antropologia Urbana ao se passar para a década dos 70. Uma delas é o crescente número de pesquisadores com formação em Etnologia que se ocupam dos fenômenos sociais que se dão no ambiente urbano.[...]” (p.32)

“[...]Além da Umbanda, a atenção se tem voltado para outras religiões de caráter evangélico e proselitista, como o Pentecostalismo, que muito tem se expandido nas áreas urbanas. [...]” (p.32)

“Os trabalhos que tratam das concepções a respeito do corpo, das classificações de doenças, de hábitos alimentares, enfim, de temas que vêm sendo englobados sob o título de Antropologia Médica ou da Saúde, parecem se concentrar em pequenas comunidades rurais, ou pequenas cidades cujos moradores estão voltados para as atividades rurais, ou em certos setores urbanos nos quais se contam muitos migrantes de origem rural.[...]” (p.32)
“[...]Próximo ao campo da Antropologia da Saúde e realizado na cidade, embora valha para um âmbito mais amplo, é a pesquisa sobre o nojo, de José Carlos Rodrigues (Tabu do corpo, Rio de Janeiro, Achiamé, 1979); recentemente o mesmo autor publicou outro trabalho, agora sobre a morte (Tabu da morte, Rio de Janeiro, Achiamé, 1983).[...]” (p.32)

“Boa parte dos trabalhos sobre desviantes, sobre a situação da mulher, envolvem as camadas médias urbanas. É digno de nota, com relação a estas, o estudo dos moradores de um edifício no bairro de Copacabana realizado por Gilberto Velho (A utopia urbana, Rio de Janeiro, Zahar, 1973).[...]” (p.33)

Artes E Artesanato

“A descrição de artefatos foi uma característica dos trabalhos dos etnólogos do começo do século, preocupados que estavam com a elaboração de mapas de distribuição geográfica, que lhes permitissem reconstituir as trajetórias da difusão cultural.[...]” (p.33)

“A Fundação Pró-Memória iniciou um projeto sobre a região Centro-Oeste, a princípio sob a direção de George Zarur, voltando-se primeiramente para coleta e estudo de artefatos entre alguns grupos indígenas da região; posteriormente passou, parece, para o estudo do artesanato na população sertaneja da mesma região.[...]” (p.33-34)

“O interesse dos etnólogos pela música não tem se restringido às sociedades indígenas, como mostram o trabalho de Julia de Almeida Levy sobre a música popular brasileira ou a pesquisa em andamento de Kilza Setti de Castro Lima sobre a música caiçara.” (p.34)

Fichamento Peirano

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
Centro de Humanidades
Curso de Ciências Sociais
Antropologia III
Anne Caroline Bento de Araújo Mendonça
Prof. Max Maranhão – sala 36
Horário M24AB


MELATTI, Julio Cezar. Antropologia no Brasil: Um Roteiro, 1983. Republicado no BIB 17, 1984: 3-52. Novamente republicado em O que se deve ler em Ciências Sociais no Brasil, vol. 3 (edição englobando BIB de nº 15 a nº 19). São Paulo: Cortez e ANPOCS, 1990: 123-211.


A PARTIR DOS ANOS 60

“Nos anos 60, a Etnologia começa a passar, no Brasil, sob vários aspectos, por significativas modificações.” (p.21)

“[...]Em 1957, também por iniciativa de Darcy Ribeiro, criou-se o “Curso de Formação de Pesquisadores Sociais” no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), que pretendia ser uma continuação e ampliação do anterior, conforme notícia veiculada no periódico deste órgão (Educação e Ciências Sociais, 1957). [...]” (p.21)

“...os cursos do Museu Nacional eram na época considerados como que de pós-graduação, embora não se regessem pela regulamentação que se consolidou posteriormente.[...]” (p.21)

“[...]Com a criação de mais outros cursos de pós-graduação, que vieram se acrescentar a este e ao que, havia muito, se mantinha na Universidade de São Paulo, como o da Universidade de Brasília (Cardoso de Oliveira, s.d.), o da UNICAMP e outros mais recentes, o número de etnólogos começou a crescer rapidamente, fazendo com que esses profissionais deixassem de constituir um velho grupo de amigos em que todos se conheciam. [..]” (p.21)

“Certos temas perdem o interesse, como os estudos de comunidade, substituídos por pesquisas de caráter mais regional, nas quais se examinam determinados problemas como o do campesinato, o dos assalariados rurais, dos trabalhadores urbanos, das frentes de expansão e pioneiras. A Antropologia Urbana se desenvolve, tratando primeiramente da migração rural-urbana e da vida nas favelas, para em seguida avançar no sentido das camadas médias, o comportamento desviante e as instituições totais. Começa a se formar interesse em torno da Antropologia Médica ou da Saúde.” (p.22)

“[...]Preocupações de caráter estruturalista e etno-científico substituem as interpretações funcionalistas. [...]” (p.22)

“O crescimento do número de etnólogos com boa formação se reflete nos cursos de graduação, onde passam a lecionar, e, conseqüentemente, no movimento editorial. Na década de 60 as editoras brasileiras começam a traduzir manuais estrangeiros de Antropologia...” (p.22)





“[...]O primeiro trabalho de grande fôlego sobre a Etnologia no Brasil, o de Mariza Gomes e Souza Peirano (1980), põe em foco sobretudo a obra e as idéias de alguns pesquisadores (Florestan Fernandes, Antonio Candido, Darcy Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira, Roberto da Matta e Otávio Velho), cuja atividade começa no início ou no final do período anterior, continuando a influir ou a se desenvolver no atual.” (p.22)

Fricção Interétnica E Etnicidade

“...o emprego da noção de aculturação em alguns trabalhos implicava em conceder ao conceito de cultura atributos que contribuíam mais para obscurecer do que esclarecer as situações estudadas, seja considerando-o como independente das mentes dos membros das sociedades consideradas, agindo segundo leis próprias, seja confundindo-o com o conceito de sociedade.” (p.22-23)

“...uma consideração mais atenta da própria população civilizada que envolve as sociedades indígenas estudadas, indispensável para os estudos de fricção interétnica, contribuiu para conduzir o interesse para o campesinato não-indígena e as frentes de expansão e pioneiras.” (p.23)

“Os estudos de fricção também se voltaram para o exame do conflito de interesses entre determinadas populações indígenas e certas “frentes” não propriamente de caráter econômico, como missões e escolas.[...]” (p.23)

“Se os estudos de fricção interétnica focalizam sobretudo os aspectos econômicos, sociais e políticos do contato, a face ideológica do mesmo passou a ser examinada segundo as noções de identidade étnica, grupo étnico, etnia, que, embora vislumbradas no primeiro trabalho de Cardoso de Oliveira sobre os Tukúna, passaram a ser sistematicamente examinadas por ele após 1970, tarefa de que é exemplo seu volume Identidade, etnia e estrutura social (São Paulo, Pioneira, 1976).[...]” (p.23)

“A noção de etnia e aquelas que lhe são associadas implicam como que numa etno-sociologia do contato interétnico, ou seja, uma classificação dos grupos ou categorias sociais segundo os membros dos grupos em confronto e não a partir de uma classificação apriorística do pesquisador. Por isso, a familiaridade com estudos de classificação desenvolvidos pelo estruturalismo ou pela etnociência são de grande valia para o desempenho do pesquisador. [...]” (p.24)

“[...]Possivelmente, a noção de etnia talvez possa vir a fazer a ponte que não existia entre os estudos de aculturação, que envolviam índios e civilizados ou brasileiros e imigrantes, e os estudos de relações raciais, que contrapunham negros e brancos.[...]” (p.24)



“Os anos 70 foram marcados por um esforço, que continua a vigorar, de alguns etnólogos em colaborarem com os povos indígenas, pelos quais se interessam academicamente, na obtenção de soluções para seus problemas mais urgentes, como demarcação de terras, assistência médica, instrução, administração direta pelos índios de sua produção para mercado e outros. [...]” (p.24)

As Sociedades Indígenas Como Totalidades Socioculturais

“Neste período ganharam impulso os estudos sobre a estrutura social das sociedades indígenas. Essa nova fase se deve, em parte, ao trabalho de pesquisa que David Maybury-Lewis desenvolveu entre os Xavânte, a partir do final da década de 50, segundo os tópicos de interesse e de metodologia da Antropologia Social inglesa. Com base nessa experiência inicial, esse pesquisador desenvolveu um projeto referente aos índios do Brasil central, sobretudo da família lingüística Jê, para ser realizado por seus alunos de Harvard e, acoplado ao projeto “Estudo comparativo das sociedades indígenas do Brasil”, de Roberto Cardoso de Oliveira, por pesquisadores do Museu Nacional.[...]” (p.25)

“[...]Uma das contribuições de alguns desses trabalhos referentes aos Jê e grupos assemelhados foi a averiguação de que a noção de pessoa que mantêm é de fundamental importância para a compreensão de sua estrutura social...” (p.25)

“Nos anos 70, além de continuar o interesse pelos Jê, retoma-se a atenção por mais três áreas, o alto Xingu, o alto rio Negro e Roraima, sendo que as duas primeiras tinham sido estudadas no período anterior, nas suas características mais gerais, por Eduardo Galvão.[...]” (p.25)

“[...]No alto rio Negro, as pesquisas têm incidido principalmente no outro lado da fronteira, na Colômbia, mas são de muita importância para se compreender os índios do lado brasileiro, pois vivem segundo as mesmas duas grandes tradições: a dos índios das florestas (Makú) e a dos índios dos grandes rios (Tukâno Orientais e alguns Aruák).[...]” (p.26)

“Se a década dos 60 foi marcada por uma forte presença de alunos de doutorado norte-americanos, na dos 70 a eles se acrescentaram ingleses e franceses. [...]” (p.26)

“Os estudos de totalidades socioculturais indígenas mostram, neste período, uma tendência a passar do funcionalismo ou do estrutural-funcionalismo para uma abordagem mais estruturalista ou influenciada pela etnociência, dando importância, variável segundo os casos, às classificações mantidas, conscientemente ou não, pelos próprios índios. [...]” (p.26)

Mitologias E Ritual Como Sistemas Ativos

“Mas foi sem dúvida Claude Lévi-Strauss, com seus artigos sobre mitos e sobretudo os quatro volumes de suas Mythologiques (Paris, Plon, 1964, 1966, 1968 e 1971), que marcou uma reviravolta nos estudos de mitologia.[...]” (p.27)

“[..]Além de inspirar vários artigos sobre mitos tribais escritos no Brasil, as sendas abertas por Lévi-Strauss permitiram a Roberto da Matta analisar o conto sertanejo de Pedro Malasartes e mesmo, escapando ao âmbito do mito, abordar contos literários de Edgar Alan Poe e Guimarães Rosa. [...]” (p.27)

“Se os mitos indígenas levaram à produção de vários trabalhos, os ritos, que deles não se podem desligar, deram motivo à produção de livros...” (p.27)

“[...]Roberto da Matta tem tomado os ritos como uma porta de entrada para o conhecimento da sociedade brasileira; suas reflexões sobre o assunto estão bem representadas em Carnavais, malandros e heróis (Rio de Janeiro, Zahar, 1979). [...]” (p.27)

“A vitalidade dos ritos e dos mitos talvez se demonstre de maneira mais patente nos movimentos messiânicos. Apesar de seu caráter político, seus adeptos fazem deles participar personagens míticos ou rituais, ou seja, nesses momentos de crise ritos e mitos rompem as molduras em que são normalmente contidos.[...]” (p.28)

Estudos Regionais E Estudos Em Comunidade

“De certa maneira, os chamados “estudos de comunidade” do período anterior, muito criticados, foram substituídos pelos que poderíamos chamar de “estudos regionais”, um termo que não tem a divulgação do primeiro.[...]” (p.28)

“[...]A princípio dava a impressão de se ter fragmentado em um certo número de pesquisas individuais, mas duas áreas ganharam dos pesquisadores um interesse mais permanente: uma foi a zona da mata nordestina, de plantação de cana e produção de açúcar, nos estados de Paraíba, Pernambuco e Alagoas; a outra foi a área constituída pela margem oriental da Amazônia, ou seja, pelo leste do Pará, oeste do Maranhão e norte de Goiás, uma zona afetada por frentes de expansão e pioneiras de caráter diversificado.” (p.28)

“Uma terceira região onde começam a se concentrar pesquisas etnológicas e sociológicas é a constituída pelo leste e o norte de Mato Grosso e que envolve várias instituições e projetos. [...]” (p.29)

“A banda ocidental do Vale do rio São Francisco, na área fronteiriça entre Minas Gerais e Bahia, tem sido alvo de projetos abrigados pela Universidade de Brasília.[...]” (p.29)

“Também como estudo regional pode ser considerado o projeto desenvolvido no interior de Sergipe, a respeito da evolução das relações de trabalho, e que conjuga a pesquisa etnológica com a histórica. [...]” (p.30]

“Por outro lado, já existe uma série de estudos sobre temas específicos desenvolvidos, sem que estejam ligados a projetos mais amplos, em pequenas comunidades.[...]” (p.30)

“[...]Ora, apesar de todos tratarem de comunidades de pescadores, um simples deitar de olhos sobre seus temas nos mostra que poderiam ser incorporados a distintos estudos comparativos, juntamente com trabalhos sobre não-pescadores, sobre diversos assuntos: sistemas de classificação, Antropologia da Saúde, identidade étnica, reprodução social, estratégias de sobrevivência etc.” (p.30)

“A singularidade étnica de certas comunidades rurais também tem sido examinada em algumas pesquisas recentes, que oscilam entre os enfoques culturalista e etnicista. [...]” (p.31)

“Se os estudos de comunidade do período anterior foram objeto de várias apreciações, tanto por parte de alguns de seus realizadores como daqueles que não os achavam adequados para atingir os objetivos a que se propunham, os estudos regionais e os estudos em comunidades não parecem ter até agora suscitado nenhum comentário crítico.” (p.31)

Antropologia Urbana

“Durante a década dos 60 (para época anterior ver também Roger Bastide, 1955a) as pesquisas sobre cidade, a julgar pela bibliografia apresentada por Eunice Ribeiro Durham (1971, pp. 75-80), se concentravam sobre as migrações da área rural para a urbana e sobre diversos problemas referentes às favelas, focalizados segundo os ângulos da marginalidade, participação, urbanização e desenvolvimento, que permitiam integrar resultados de diferentes disciplinas (Durham, 1971, pp. 69-70).[...]” (p.31)

“[...]O tema da migração ainda perdura na passagem para a década seguinte, como é exemplo o trabalho de Cláudia Menezes desenvolvido em Anápolis (A mudança, Rio de Janeiro, Imago; Brasília, INL, 1976).[...]” (p.31)

“Parece haver modificações significativas na Antropologia Urbana ao se passar para a década dos 70. Uma delas é o crescente número de pesquisadores com formação em Etnologia que se ocupam dos fenômenos sociais que se dão no ambiente urbano.[...]” (p.32)

“[...]Além da Umbanda, a atenção se tem voltado para outras religiões de caráter evangélico e proselitista, como o Pentecostalismo, que muito tem se expandido nas áreas urbanas. [...]” (p.32)

“Os trabalhos que tratam das concepções a respeito do corpo, das classificações de doenças, de hábitos alimentares, enfim, de temas que vêm sendo englobados sob o título de Antropologia Médica ou da Saúde, parecem se concentrar em pequenas comunidades rurais, ou pequenas cidades cujos moradores estão voltados para as atividades rurais, ou em certos setores urbanos nos quais se contam muitos migrantes de origem rural.[...]” (p.32)
“[...]Próximo ao campo da Antropologia da Saúde e realizado na cidade, embora valha para um âmbito mais amplo, é a pesquisa sobre o nojo, de José Carlos Rodrigues (Tabu do corpo, Rio de Janeiro, Achiamé, 1979); recentemente o mesmo autor publicou outro trabalho, agora sobre a morte (Tabu da morte, Rio de Janeiro, Achiamé, 1983).[...]” (p.32)

“Boa parte dos trabalhos sobre desviantes, sobre a situação da mulher, envolvem as camadas médias urbanas. É digno de nota, com relação a estas, o estudo dos moradores de um edifício no bairro de Copacabana realizado por Gilberto Velho (A utopia urbana, Rio de Janeiro, Zahar, 1973).[...]” (p.33)

Artes E Artesanato

“A descrição de artefatos foi uma característica dos trabalhos dos etnólogos do começo do século, preocupados que estavam com a elaboração de mapas de distribuição geográfica, que lhes permitissem reconstituir as trajetórias da difusão cultural.[...]” (p.33)

“A Fundação Pró-Memória iniciou um projeto sobre a região Centro-Oeste, a princípio sob a direção de George Zarur, voltando-se primeiramente para coleta e estudo de artefatos entre alguns grupos indígenas da região; posteriormente passou, parece, para o estudo do artesanato na população sertaneja da mesma região.[...]” (p.33-34)

“O interesse dos etnólogos pela música não tem se restringido às sociedades indígenas, como mostram o trabalho de Julia de Almeida Levy sobre a música popular brasileira ou a pesquisa em andamento de Kilza Setti de Castro Lima sobre a música caiçara.” (p.34)

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Bibliografia - Geral

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O que é Isso a que Chamamos de Antropologia Brasileira? In: Sobre o Pensamento Antropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1988, pp. 109-128.

PEIRANO, Mariza. A Alteridade em Contexto: a Antropologia como Ciência Social no Brasil. Série Antropologia, Brasília, n. 255, 1999.

MONTERO, Paula. Tendências da pesquisa antropológica no Brasil. In: GROSSI, Miriam; TASSINARI, Antonella; RIAL, Carmen (orgs.) Ensino de Antropologia no Brasil: formação, práticas disciplinares e além-fronteiras, Blumenau: Nova Letras, 2006.

MELATTI, Julio Cezar. Antropologia no Brasil: Um Roteiro. BIB, n. 17, 1984: 3-52.

RUBIM, Christina de R. Um Pedaço de nossa História: historiografia da antropologia brasileira. BIB, Rio de Janeiro, n. 44, 1997, pp. 31-72.