domingo, 18 de novembro de 2007

Fichamento Melatti

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
Centro de Humanidades
Curso de Ciências Sociais
Antropologia III
Anne Caroline Bento de Araújo Mendonça
Prof. Max Maranhão – sala 36
Horário M24AB


MELATTI, Julio Cezar. Antropologia no Brasil: Um Roteiro, 1983. Republicado no BIB 17, 1984: 3-52. Novamente republicado em O que se deve ler em Ciências Sociais no Brasil, vol. 3 (edição englobando BIB de nº 15 a nº 19). São Paulo: Cortez e ANPOCS, 1990: 123-211.


A PARTIR DOS ANOS 60

“Nos anos 60, a Etnologia começa a passar, no Brasil, sob vários aspectos, por significativas modificações.” (p.21)

“[...]Em 1957, também por iniciativa de Darcy Ribeiro, criou-se o “Curso de Formação de Pesquisadores Sociais” no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), que pretendia ser uma continuação e ampliação do anterior, conforme notícia veiculada no periódico deste órgão (Educação e Ciências Sociais, 1957). [...]” (p.21)

“...os cursos do Museu Nacional eram na época considerados como que de pós-graduação, embora não se regessem pela regulamentação que se consolidou posteriormente.[...]” (p.21)

“[...]Com a criação de mais outros cursos de pós-graduação, que vieram se acrescentar a este e ao que, havia muito, se mantinha na Universidade de São Paulo, como o da Universidade de Brasília (Cardoso de Oliveira, s.d.), o da UNICAMP e outros mais recentes, o número de etnólogos começou a crescer rapidamente, fazendo com que esses profissionais deixassem de constituir um velho grupo de amigos em que todos se conheciam. [..]” (p.21)

“Certos temas perdem o interesse, como os estudos de comunidade, substituídos por pesquisas de caráter mais regional, nas quais se examinam determinados problemas como o do campesinato, o dos assalariados rurais, dos trabalhadores urbanos, das frentes de expansão e pioneiras. A Antropologia Urbana se desenvolve, tratando primeiramente da migração rural-urbana e da vida nas favelas, para em seguida avançar no sentido das camadas médias, o comportamento desviante e as instituições totais. Começa a se formar interesse em torno da Antropologia Médica ou da Saúde.” (p.22)

“[...]Preocupações de caráter estruturalista e etno-científico substituem as interpretações funcionalistas. [...]” (p.22)

“O crescimento do número de etnólogos com boa formação se reflete nos cursos de graduação, onde passam a lecionar, e, conseqüentemente, no movimento editorial. Na década de 60 as editoras brasileiras começam a traduzir manuais estrangeiros de Antropologia...” (p.22)





“[...]O primeiro trabalho de grande fôlego sobre a Etnologia no Brasil, o de Mariza Gomes e Souza Peirano (1980), põe em foco sobretudo a obra e as idéias de alguns pesquisadores (Florestan Fernandes, Antonio Candido, Darcy Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira, Roberto da Matta e Otávio Velho), cuja atividade começa no início ou no final do período anterior, continuando a influir ou a se desenvolver no atual.” (p.22)

Fricção Interétnica E Etnicidade

“...o emprego da noção de aculturação em alguns trabalhos implicava em conceder ao conceito de cultura atributos que contribuíam mais para obscurecer do que esclarecer as situações estudadas, seja considerando-o como independente das mentes dos membros das sociedades consideradas, agindo segundo leis próprias, seja confundindo-o com o conceito de sociedade.” (p.22-23)

“...uma consideração mais atenta da própria população civilizada que envolve as sociedades indígenas estudadas, indispensável para os estudos de fricção interétnica, contribuiu para conduzir o interesse para o campesinato não-indígena e as frentes de expansão e pioneiras.” (p.23)

“Os estudos de fricção também se voltaram para o exame do conflito de interesses entre determinadas populações indígenas e certas “frentes” não propriamente de caráter econômico, como missões e escolas.[...]” (p.23)

“Se os estudos de fricção interétnica focalizam sobretudo os aspectos econômicos, sociais e políticos do contato, a face ideológica do mesmo passou a ser examinada segundo as noções de identidade étnica, grupo étnico, etnia, que, embora vislumbradas no primeiro trabalho de Cardoso de Oliveira sobre os Tukúna, passaram a ser sistematicamente examinadas por ele após 1970, tarefa de que é exemplo seu volume Identidade, etnia e estrutura social (São Paulo, Pioneira, 1976).[...]” (p.23)

“A noção de etnia e aquelas que lhe são associadas implicam como que numa etno-sociologia do contato interétnico, ou seja, uma classificação dos grupos ou categorias sociais segundo os membros dos grupos em confronto e não a partir de uma classificação apriorística do pesquisador. Por isso, a familiaridade com estudos de classificação desenvolvidos pelo estruturalismo ou pela etnociência são de grande valia para o desempenho do pesquisador. [...]” (p.24)

“[...]Possivelmente, a noção de etnia talvez possa vir a fazer a ponte que não existia entre os estudos de aculturação, que envolviam índios e civilizados ou brasileiros e imigrantes, e os estudos de relações raciais, que contrapunham negros e brancos.[...]” (p.24)



“Os anos 70 foram marcados por um esforço, que continua a vigorar, de alguns etnólogos em colaborarem com os povos indígenas, pelos quais se interessam academicamente, na obtenção de soluções para seus problemas mais urgentes, como demarcação de terras, assistência médica, instrução, administração direta pelos índios de sua produção para mercado e outros. [...]” (p.24)

As Sociedades Indígenas Como Totalidades Socioculturais

“Neste período ganharam impulso os estudos sobre a estrutura social das sociedades indígenas. Essa nova fase se deve, em parte, ao trabalho de pesquisa que David Maybury-Lewis desenvolveu entre os Xavânte, a partir do final da década de 50, segundo os tópicos de interesse e de metodologia da Antropologia Social inglesa. Com base nessa experiência inicial, esse pesquisador desenvolveu um projeto referente aos índios do Brasil central, sobretudo da família lingüística Jê, para ser realizado por seus alunos de Harvard e, acoplado ao projeto “Estudo comparativo das sociedades indígenas do Brasil”, de Roberto Cardoso de Oliveira, por pesquisadores do Museu Nacional.[...]” (p.25)

“[...]Uma das contribuições de alguns desses trabalhos referentes aos Jê e grupos assemelhados foi a averiguação de que a noção de pessoa que mantêm é de fundamental importância para a compreensão de sua estrutura social...” (p.25)

“Nos anos 70, além de continuar o interesse pelos Jê, retoma-se a atenção por mais três áreas, o alto Xingu, o alto rio Negro e Roraima, sendo que as duas primeiras tinham sido estudadas no período anterior, nas suas características mais gerais, por Eduardo Galvão.[...]” (p.25)

“[...]No alto rio Negro, as pesquisas têm incidido principalmente no outro lado da fronteira, na Colômbia, mas são de muita importância para se compreender os índios do lado brasileiro, pois vivem segundo as mesmas duas grandes tradições: a dos índios das florestas (Makú) e a dos índios dos grandes rios (Tukâno Orientais e alguns Aruák).[...]” (p.26)

“Se a década dos 60 foi marcada por uma forte presença de alunos de doutorado norte-americanos, na dos 70 a eles se acrescentaram ingleses e franceses. [...]” (p.26)

“Os estudos de totalidades socioculturais indígenas mostram, neste período, uma tendência a passar do funcionalismo ou do estrutural-funcionalismo para uma abordagem mais estruturalista ou influenciada pela etnociência, dando importância, variável segundo os casos, às classificações mantidas, conscientemente ou não, pelos próprios índios. [...]” (p.26)

Mitologias E Ritual Como Sistemas Ativos

“Mas foi sem dúvida Claude Lévi-Strauss, com seus artigos sobre mitos e sobretudo os quatro volumes de suas Mythologiques (Paris, Plon, 1964, 1966, 1968 e 1971), que marcou uma reviravolta nos estudos de mitologia.[...]” (p.27)

“[..]Além de inspirar vários artigos sobre mitos tribais escritos no Brasil, as sendas abertas por Lévi-Strauss permitiram a Roberto da Matta analisar o conto sertanejo de Pedro Malasartes e mesmo, escapando ao âmbito do mito, abordar contos literários de Edgar Alan Poe e Guimarães Rosa. [...]” (p.27)

“Se os mitos indígenas levaram à produção de vários trabalhos, os ritos, que deles não se podem desligar, deram motivo à produção de livros...” (p.27)

“[...]Roberto da Matta tem tomado os ritos como uma porta de entrada para o conhecimento da sociedade brasileira; suas reflexões sobre o assunto estão bem representadas em Carnavais, malandros e heróis (Rio de Janeiro, Zahar, 1979). [...]” (p.27)

“A vitalidade dos ritos e dos mitos talvez se demonstre de maneira mais patente nos movimentos messiânicos. Apesar de seu caráter político, seus adeptos fazem deles participar personagens míticos ou rituais, ou seja, nesses momentos de crise ritos e mitos rompem as molduras em que são normalmente contidos.[...]” (p.28)

Estudos Regionais E Estudos Em Comunidade

“De certa maneira, os chamados “estudos de comunidade” do período anterior, muito criticados, foram substituídos pelos que poderíamos chamar de “estudos regionais”, um termo que não tem a divulgação do primeiro.[...]” (p.28)

“[...]A princípio dava a impressão de se ter fragmentado em um certo número de pesquisas individuais, mas duas áreas ganharam dos pesquisadores um interesse mais permanente: uma foi a zona da mata nordestina, de plantação de cana e produção de açúcar, nos estados de Paraíba, Pernambuco e Alagoas; a outra foi a área constituída pela margem oriental da Amazônia, ou seja, pelo leste do Pará, oeste do Maranhão e norte de Goiás, uma zona afetada por frentes de expansão e pioneiras de caráter diversificado.” (p.28)

“Uma terceira região onde começam a se concentrar pesquisas etnológicas e sociológicas é a constituída pelo leste e o norte de Mato Grosso e que envolve várias instituições e projetos. [...]” (p.29)

“A banda ocidental do Vale do rio São Francisco, na área fronteiriça entre Minas Gerais e Bahia, tem sido alvo de projetos abrigados pela Universidade de Brasília.[...]” (p.29)

“Também como estudo regional pode ser considerado o projeto desenvolvido no interior de Sergipe, a respeito da evolução das relações de trabalho, e que conjuga a pesquisa etnológica com a histórica. [...]” (p.30]

“Por outro lado, já existe uma série de estudos sobre temas específicos desenvolvidos, sem que estejam ligados a projetos mais amplos, em pequenas comunidades.[...]” (p.30)

“[...]Ora, apesar de todos tratarem de comunidades de pescadores, um simples deitar de olhos sobre seus temas nos mostra que poderiam ser incorporados a distintos estudos comparativos, juntamente com trabalhos sobre não-pescadores, sobre diversos assuntos: sistemas de classificação, Antropologia da Saúde, identidade étnica, reprodução social, estratégias de sobrevivência etc.” (p.30)

“A singularidade étnica de certas comunidades rurais também tem sido examinada em algumas pesquisas recentes, que oscilam entre os enfoques culturalista e etnicista. [...]” (p.31)

“Se os estudos de comunidade do período anterior foram objeto de várias apreciações, tanto por parte de alguns de seus realizadores como daqueles que não os achavam adequados para atingir os objetivos a que se propunham, os estudos regionais e os estudos em comunidades não parecem ter até agora suscitado nenhum comentário crítico.” (p.31)

Antropologia Urbana

“Durante a década dos 60 (para época anterior ver também Roger Bastide, 1955a) as pesquisas sobre cidade, a julgar pela bibliografia apresentada por Eunice Ribeiro Durham (1971, pp. 75-80), se concentravam sobre as migrações da área rural para a urbana e sobre diversos problemas referentes às favelas, focalizados segundo os ângulos da marginalidade, participação, urbanização e desenvolvimento, que permitiam integrar resultados de diferentes disciplinas (Durham, 1971, pp. 69-70).[...]” (p.31)

“[...]O tema da migração ainda perdura na passagem para a década seguinte, como é exemplo o trabalho de Cláudia Menezes desenvolvido em Anápolis (A mudança, Rio de Janeiro, Imago; Brasília, INL, 1976).[...]” (p.31)

“Parece haver modificações significativas na Antropologia Urbana ao se passar para a década dos 70. Uma delas é o crescente número de pesquisadores com formação em Etnologia que se ocupam dos fenômenos sociais que se dão no ambiente urbano.[...]” (p.32)

“[...]Além da Umbanda, a atenção se tem voltado para outras religiões de caráter evangélico e proselitista, como o Pentecostalismo, que muito tem se expandido nas áreas urbanas. [...]” (p.32)

“Os trabalhos que tratam das concepções a respeito do corpo, das classificações de doenças, de hábitos alimentares, enfim, de temas que vêm sendo englobados sob o título de Antropologia Médica ou da Saúde, parecem se concentrar em pequenas comunidades rurais, ou pequenas cidades cujos moradores estão voltados para as atividades rurais, ou em certos setores urbanos nos quais se contam muitos migrantes de origem rural.[...]” (p.32)
“[...]Próximo ao campo da Antropologia da Saúde e realizado na cidade, embora valha para um âmbito mais amplo, é a pesquisa sobre o nojo, de José Carlos Rodrigues (Tabu do corpo, Rio de Janeiro, Achiamé, 1979); recentemente o mesmo autor publicou outro trabalho, agora sobre a morte (Tabu da morte, Rio de Janeiro, Achiamé, 1983).[...]” (p.32)

“Boa parte dos trabalhos sobre desviantes, sobre a situação da mulher, envolvem as camadas médias urbanas. É digno de nota, com relação a estas, o estudo dos moradores de um edifício no bairro de Copacabana realizado por Gilberto Velho (A utopia urbana, Rio de Janeiro, Zahar, 1973).[...]” (p.33)

Artes E Artesanato

“A descrição de artefatos foi uma característica dos trabalhos dos etnólogos do começo do século, preocupados que estavam com a elaboração de mapas de distribuição geográfica, que lhes permitissem reconstituir as trajetórias da difusão cultural.[...]” (p.33)

“A Fundação Pró-Memória iniciou um projeto sobre a região Centro-Oeste, a princípio sob a direção de George Zarur, voltando-se primeiramente para coleta e estudo de artefatos entre alguns grupos indígenas da região; posteriormente passou, parece, para o estudo do artesanato na população sertaneja da mesma região.[...]” (p.33-34)

“O interesse dos etnólogos pela música não tem se restringido às sociedades indígenas, como mostram o trabalho de Julia de Almeida Levy sobre a música popular brasileira ou a pesquisa em andamento de Kilza Setti de Castro Lima sobre a música caiçara.” (p.34)

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